Coletivo Indra

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Obra de Antônio Benetazzo

“É preciso lembrar para não se repetir”.

Jamais celebrar aquilo que nos tirou a possibilidade de respirarmos por tanto tempo. Que roubou nossos sonhos e nos destruiu. Feridas e cicatrizes tão abertas, ainda. É difícil sair na rua e não se deparar com essas marcas, ligar a televisão e não ouvir seus ecos.

Eles estão lá, eles estão aqui. Chame o ladrão, Chico canta baixinho.  

Uma noite tão escura que nunca deixou de nos atormentar, o eco do coturno, do ferrolho e da algema nunca deixaram de se ouvir, agora cada vez mais alto e mais perto. Porque há quem endosse para que isso seja assim.

Que sente prazer com o cheiro de sangue escorrendo pela sarjeta. Sirene e pneu queimado. Que quer sempre enforcar a nossa liberdade ou matar no eletrochoque.

“O que dizer para esses?”

São 21 anos ou ainda continua? Pra muita gente certamente nunca terminou, porque o direito a dignidade, a vida nunca veio. Onde está a nossa salvação? De onde a gente tira forças pra continuar? Será que a gente ainda pode sorrir? Como a gente se alimenta do outro, que não tá mais aqui?

Essa parede cinza, a janela fechada com a cortina velha e o cheiro de mofo. A porta que faz barulho quando abre porque a madeira já não encaixa mais direito. O armário que sabe-se lá o que tem dentro, que é melhor nem abrir pra não ter que olhar para mais toda essa poeira.

O que tá fechado, tá arrumado, a cama com o colchão torto e o piso sem brilho. É disso que a gente vai se alimentar daqui pra frente? Acorda amor, não é mais pesadelo nada.

A dura tá lá fora ou aqui dentro? Quando não dá mais pra saber se é dia ou noite, se é trabalho ou férias, se é calma ou cansaço. Quando a gente é obrigado a se matar o tempo todo, é o que? A chave está irremediavelmente emperrada.

Como faz pra abrir a porta? O que nos defende desse leviatã que não é a soma de todos, mas de todas as nossas dores? Não dá mais pra ser claro num mundo tão confuso, onde certas palavras, claras ou eloquentes, já não tem utilidade. Há de se correr pelo certo, permanecer atento e insistir. A qual preço, não sei.

“Há de se acreditar no desenganado.”

É tudo verdade no meio de tanta mentira. Tanto suicídio com bala no meio da testa. A morte vem nos embalar pra gente dormir. Sonhe com os vivos e acorde no inferno. Durma acordado, boceje de felicidade. Beba água e diga, sim, tá tudo bem. Sorriso. Vai ser feliz, até ninguém mais respirar. Vai cantar de dor enquanto ninguém escuta. Hoje o ar vazio apenas chora. Não há o que comemorar, só o que superar.  

Ditadura nunca mais

Arthur Spada

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Capa: Obra de Antônio Benetazzo, militante contra a ditadura militar, um dos fundadores do Movimento de Libertação Popular, foi preso e morto sob tortura, antes que a obra pudesse ser finalizada.