Coletivo Indra

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500.000: vidas perdidas que jamais devem ser esquecidas

Imagem: O Barco, Monet 1887

Nessa semana aconteceram diversos fatos políticos dignos de nota, alguns, inclusive, capazes de mudar os rumos da nossa política nos próximos meses: a aprovação da Medida Provisória, junto com seus jabutis, que permite a privatização da Eletrobrás e, segundo estudos, pode levar ao encarecimento da conta de luz ao consumidor; o depoimento do deputado negaciosnista Osmar Terra para a CPI, tentando negar a existência do gabinete paralelo e fatos óbvios; a descoberta de um escândalo de superfaturamento e possível desvio de dinheiro público na aquisição das vacinas indianas da Covaxin; a queda do desministro do meio-ambiente Ricardo Salles, muito provavelmente uma cortina de fumaça para desviar o foco da fraude nas vacinas e em razão dos rolos do desministro com a justiça;

A aprovação na CCJ da Câmara dos Deputados do PL490 que modifica a forma de demarcação das terras indígenas, prejudicando o direito dos Índios, para citar apenas alguns.

Mas, um dos fatos mais marcantes para a história do nosso país aconteceu no sábado passado, dia 19 de junho de 2021, quando atingimos a marca de 500 mil mortos pela Covid-19. Esse é um número que não pode ser esquecido e tampouco passar batido, motivo pelo qual, mesmo com tanta coisa acontecendo e que merece nossa atenção, acho fundamental lembrarmos dessa marca diariamente, tendo a consciência de que muitos outros partirão por conta da covid, sabe-se lá até quando.

Essa é a grande tragédia do nosso século, cujas decorrências ainda não podem ser plenamente sentidas. Teremos uma geração inteira de pessoas sem família, que perderam todos os seus parentes mais próximos e viverão sozinhos. Não há como mensurar o impacto disso para a nossa sociabilidade nos próximos anos. Não há tempo para o luto e a vida continua, como se nada estivesse acontecendo.

Diferente da guerra, onde os impactos físicos da destruição demonstram que nada está no lugar e que o mundo precisa se reconstruir, na pandemia somente os enlutados veem a sua vida completamente fora de lugar, principalmente quando o mote geral, capitaneado pelo governo federal é o de que “o Brasil não pode parar”.

A Folha de São Paulo publicou um relato de um jovem, Ryan, que perdeu pai, mãe e avó no qual diz:

“Cada dia é um processo novo, é muito atordoante.

Num segundo você está bem, no outro você se pega pensando se é verdade, em como poderia ser diferente. Vem a vontade de chorar, gritar, espernear. Então eu grito, choro, esperneio. É preciso passar por todas essas fases.”

Cabe destacar, que já se discute, e em alguns estados houve a aprovação, de um auxílio financeiro para os “órfãos da Covid”, mas, é suficiente? Qual nosso papel frente a essa devastação de famílias?

Nessa difícil tarefa de elaborar perdas, sejam elas pessoais ou coletivas, também é fundamental que seja buscado o significado do que pretendemos ser e em que tipo de sociedade queremos viver. Talvez isso esteja para além de respostas imediatas e dependa de uma intensa reflexão que passa por diversos setores da sociedade, mas permitir a indignação e não normalizar que a morte tenha se tornado corriqueira, ou que é normal que crianças cresçam sem mãe, pai, avós e tios por perto, é um passo para não esquecermos desse fato.

Nossa indignação com 500.000 mortes não pode ficar na semana passada, seguindo a vida normalmente. É necessário que isso doa em todos nós, pois os impactos serão nossos enquanto povo.

O Brasil lida muito mal com o passado, os efeitos da escravidão ainda são muito presentes no nosso dia a dia, assim como as decorrências da ditatura e a sua transição negociada, sem punição aos envolvidos em torturas e a assimilação de um pensamento verdadeiramente democrático na totalidade das forças armadas.

A tragédia da covid não pode ser mais uma a ser jogada para debaixo do tapete e quando, finalmente sairmos dessa pandemia, fingirmos que nada aconteceu. Ou que tudo não passou de mais um fato político. Lembremos sempre, das vidas perdidas.

Arthur Spada

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