Coletivo Indra

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“A confiança sempre começa na pessoa que confia.”

Abrasco

Hoje eu estava participando de um grupo de estudos sobre saúde única. Discutíramos  sobre o filme Erin Brockvitch, que trata da negligência de uma empresa com a comunidade que vive na mesma área em que a empresa está inserida.

Os resíduos produzidos pela empresa contaminaram o lençol freático e as pessoas e animais começaram a adoecer. Percebendo o problema, a empresa estava tentando comprar, por um preço irrisório, a casa dos moradores, além de se oferecer a pagar os exames. 

Muita gente no filme confiava na empresa e achava que esta estava fazendo o possível  para ajudá-los, mas na verdade tudo o que foi feito foi para, literalmente, proteger a própria empresa contra possíveis ações judiciais.

Existia uma relação de confiança  entre a comunidade e a empresa. 

Mas eu me questiono: Qual é a base da confiança? O que leva uma pessoa ou empresa ter credibilidade perante as demais pessoas? 

No caso do filme, esta credibilidade estava pautada principalmente pela aparente “seriedade” baseada no sucesso da empresa. Podemos imaginar, muitas vezes erroneamente, que o sucesso anda de mãos dadas com a honestidade e confiança. 

Neste sentido, confiança e credibilidade são as bases para o estabelecimento de uma relação que pode ser real para o bem e para o mal. Por exemplo, milhares de pessoas seguiram Hitler por confiar que os seus pensamentos poderiam trazer benefício para os alemães; assim como milhares de pessoas votaram no Bolsonaro porque, de alguma  forma, confiaram que ele, naquele momento, era o melhor para o país. Por outro lado, a gente pode pontuar diversas pessoas que são exemplos e que foram seguidas por exalarem o bem, como o Padre Lancelot, a Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Jesus Cristo, dentre outros. 

Mas retorno a pergunta: o que leva uma pessoa a confiar tanto em outra? O que leva uma pessoa a seguir as ideias e pensamentos de outra? Mesmo que este pensamento caracterize o “mal”? 

 A filósofa Hanna Arendt, judia e alemã, cria o termo “banalização do mal”, que trata  principalmente do estudo de comportamento das pessoas que, no intuito de honrar a hierarquia e motivadas pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, executavam ações sem avaliar o mal que poderiam estar fazendo a outras pessoas. 

Esse termo foi criado durante o julgamento de um soldado alemão, Adolf Eichmann. A mesma situação podemos observar nos depoimentos de ditadores. O ex ditador Jorge Videla assumiu a responsabilidade por crimes políticos realizados em Córdoba, na Argentina, e liberou os seus subordinados que, segundo ele, estavam somente seguindo ordens.

Mais uma vez, pessoas comuns, que não têm traços de maldade e ou psicopatias, executaram atrocidades sem questionar. 

 Então aqui fica claro que, nestes exemplos, a base para o seguimento é a falta de questionamento ao que é proposto em suas atividades profissionais principalmente  pelo medo de ir de encontro ao superior, perder o emprego e etc. Aposto que vários de nós já fizemos algo que não concordamos, baseados somente no “achismo” do nosso superior. Mas será que se isso impactasse negativamente na vida de uma outra pessoa, qual seria a nossa posição? Manteríamos a nossa falta de questionamento? Ou pararíamos e daríamos um basta? Esse é um ponto para refletirmos. 

 Vamos pensar agora nos motivos para confiarmos e seguirmos uma boa pessoa. É mais simples de entendimento né? 

Né? 

Será? 

Será que é natural expressarmos a empatia? 

Será que a nossa reflexão tem por base a necessidade do outro ou a nossa necessidade em ser reconhecido como uma boa pessoa? Mais um ponto a refletirmos. 

E agora pergunto considerando-nos, seres mortais em processo de evolução, como poderíamos atingir o patamar de “pessoas confiáveis” na execução de nossas atividades profissionais? 

 Na área da saúde, abaixo estão conceituados os quatro princípios da medicina de família e comunidade. Devo enfatizar que os adaptei para demonstrar a pluralidade  profissional no cuidado. 

São eles: 

 1. Os profissionais de medicina de família e comunidade são qualificados. 

“O profissional de família e comunidade deve ser competente no método clínico centrado na pessoa ao receber aqueles que buscam ajuda, devendo investigar suas queixas de maneira integrada, sensível e apropriada, demonstrando empatia e harmonizando a relação clínica. É essencial ser um especialista em conhecer profundamente os problemas de saúde que mais frequentemente acometem as pessoas no cenário da Atenção Primária a Saúde.” 

2. A atuação dos profissionais de medicina de família e comunidade é influenciada pela própria comunidade. 

“A prática do profissional de família e comunidade é influenciada significativamente por fatores da comunidade em que atua, o que determina que deva ser capaz de responder às necessidades das pessoas, corresponder às mudanças nessas necessidades, adaptando-se rapidamente às alterações na situação de saúde, e referenciá-las para os recursos apropriados às suas condições de saúde” 

3. Os profissionais de medicina de família e comunidade são o recurso de uma população definida; 

“A relação clínica que se busca na medicina é de que se estabeleça um relacionamento entre pessoas, e isso envolve aspectos da relação interpessoal em que a empatia, a harmonia (rapport) e a confiança são essenciais para que o profissional de família alcance resultados em suas intervenções mediante as situações de doença e prevenção”. 

4. A relação profissional de saúde-pessoa é fundamental para o desempenho da  equipe. 

“A relação do profissional de família com cada pessoa sob seus cuidados deve ser caraterizada pela compaixão, compreensão e paciência, associada a uma elevada honestidade intelectual. O profissional deve saber abordar todos os problemas trazidos com a profundidade necessária, além de saber utilizar o humor, sendo capaz de transmitir à pessoa doente o que for fundamental para a sua recuperação.” 

Todos os pontos supracitados demonstram que os profissionais de saúde precisam necessariamente expressar empatia, compaixão, paciência, honestidade, bom humor, compreensão, dentre outras características para estabelecer uma relação de confiança duradoura com a comunidade.

Aqui dois pontos são importantes, um relacionado ao nosso “eu” entendendo ser importante incorporar todos esses valores (principalmente para trabalharmos no SUS); e outro relacionado ao que precisaríamos para continuarmos motivados ao longo das dificuldades. 

A comunidade precisa confiar em nós. E nós precisamos confiar nela, nas suas demandas e nas suas necessidades. 

“A confiança sempre começa na pessoa que confia.” 

 Abraço, 

Rafaella  Albuquerque

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