A geopsicologia de Orunmilá e a função do amor
Odu Ifá de Orunmilá[1] e Sócrates e Orunmilá[2] são os dois livros que inspiram bastante este trabalho. A partir dessas leituras somadas aos ensinamentos de minhas avós e do meu avô materno, eu reuni as condições necessárias para usar uma metodologia Afroperspectivista para formular o que denomino de Geopsicologia de Orunmilá.
Geopsicologia tem como objeto de investigação: os fenômenos afetivos que ocorrem no ori (cabeça).
O ori é espaço, território, paisagem, região e lugar onde os afetos surgem e interagem.
Na geopsicologia de Orunmilá compreendemos que os afetos estão intimamente relacionados com os modos de habitar a existência. Essas formulações partem de um pressuposto básico da filosofia de Orunmilá, todos os seres vivos são formados pelos elementos da natureza. Em outros termos, esses elementos são espécies de afetos que compõem o ori. Em outras palavras, água, fogo, terra e ar são os ingredientes constitutivos do ser humano, por meio da combinação específica das categorias de um ou mais elementos encontramos a chave de leitura do temperamento, personalidade e base comportamental de cada pessoa. Cada elemento é uma espécie de afeto e possui uma quantidade específica de categorias:
Água - mar, rio e lago;
Ar - brisa, ciclone, furacão, tufão, tornado e vendaval;
Terra - arenosa, argilosa, humosa e calcária;
Fogo - solar, vulcânico e fogueira.
Portanto, existem afetos de água, ar, terra e fogo; os quais são sempre interpelados numa de suas categorias específicas.
“O ori de uma pessoa é composto por esses elementos/afetos o que contribui para análise do seu caráter. A composição do ori é a base do caráter do sujeito, isto é, personalidade e temperamento. “
Biomas afetivos são ambientes nos quais um ori cresce e se manifesta, isto é, ecossistemas formados por vegetação, solo e clima em que determinados sentimentos, emoções, ideias, pensamento, comportamento e linguagem habitam.
Bioma afetivo é um ambiente em que surgem de uma interação social, política, histórica e cultural.
Cada pessoa tem um ori e durante sua jornada, habita determinados biomas afetivos. As interações e reações variam de acordo com a combinação das categorias de um ou mais elementos dispostos no ori de alguém e os ecossistemas afetivos por ela habitados.
No contexto da geopsicologia de Orunmilá, o amor é o afeto que garante o axé, isto é, o equilíbrio ou harmonia. O que pode ser traduzido como a possibilidade de uma pessoa estar de bem consigo mesma, reconhecendo os seus propósitos, seus desejos, suas capacidades e seus interesses. O amor é um afeto catalisador de satisfação, aumenta a velocidade com que o ori entra em harmonia num determinado ecossistema.
“A ausência de amor dificulta o axé”.
Dito de outra forma, o axé (harmonia afetiva que torna possível o bem-estar) se baseia no amor. O papel do amor é garantir a nossa satisfação e, ao mesmo tempo, é o alvo fundamental de todo esforço afetivo que realizamos. Todos nossos esforços ocorrem buscando a vivência amorosa, o desejo de ser amado por outras pessoas e compartilhar o nosso amor.
Na língua iorubá, a palavra “amor” é “ifè”. Numa leitura afroperspectivista, axé e ifè estão ligados.
Axé é a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o devir”[4], sem axé nenhuma realização é possível.
Em termos afroperspectivistas, amor, ifè é um afeto que cria as condições necessárias e suficientes para produção de axé e, portanto, de mais energia vital. A falta de amor não implica na ausência de axé. Mas, a conexão entre amor e axé permite que as realizações de um sujeito ocorram em consonância com os seus próprios desejos, em estado de bem-estar consigo, no qual os interesses pessoais são inseparáveis de uma empatia com os outros. O sentimento do amor permite a compreensão de que somos interdependentes.
Na geopsicologia de Orunmilá, amar e ser uma pessoa amada são indispensáveis para viver em harmonia consigo. Ora, não significa ausência de sofrimento; mas, as condições necessárias para manejar os acontecimentos mais difíceis e ter o sentimento de gratidão genuína diante da beleza terna das alegrias.
Renato Noguera
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[1]Renato Noguera Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Departamento de Educação e Sociedade, Programas de Pós-Graduação em Educação e Filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (LEAFRO). Coordenador do Grupo de Pesquisa Afroperspectivas, Saberes e Infâncias (Afrosin). Noguera é ensaísta, roteirista e dramaturgo.
[2] Odu Ifá: The Ethical Teachings. Translate Maulana Karenga. Los Angeles, University of Sankore Press, 1999.
[3] OLUWOLE, Sophie. Socrates and Ọ̀rúnmìlà: two patron saints of classical philosophy. Lagos/Nigeria, Ark Publishers, 2014.
[4] SANTOS, Juana Elbein. Os Nàgô e a Morte: Pàde, Àsèsè e o culto Égun na Bahia. Tradução Universidade Federal da Bahia. 13 ed. Petrópolis, Vozes, 2008.