Coletivo Indra

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A terra pura e a terra impura

Ah, o paraíso budista! E budistas tem paraíso? Paraíso não traz apego e desejo de prazeres? Por varias vezes vocês leram o termo Terra Pura em meus posts e gostaria de falar um pouquinho.

A Terra Pura, ou originalmente o termo Sukhavati em sânscrito, ou Gokuraku em japonês, significa a Terra da Suprema Bem-aventurança, e é descrita pelo Buda Shakyamuni em dois sutras principais - um versão mais curta e outro mais longo, em uma complexa narrativa sobre o bodisatva Dharmakara (ser prestes a atingir a iluminação com seus Votos) onde diz qhecaso ele se torne um Buda jura salvar todos os seres indistintamente aos que desejarem nascer em sua Terra rumo ao Nirvana. E para isso ele cria sua Terra Pura, seu campo búdico, seu plano venturoso, como todos Budas o fazem. Ele, Dharmakara, se torna um Buda e passa a se chamar Amitabha (sånsc) ou Amida (jap.), sendo uma abreviação de duas manifestações: a Luz e a Vida Infinita. O Sagrado no budismo é personificado e narrado sob a forma de um Buda Amida, um personagem fora do nosso tempo e espaço., mas que se realiza aqui e agora quando falo e medito sobre ele. Clique aqui para conhecer os Sutras. http://jodoshinshu.com.br/budismo-terra-pura/

Quando estudamos as religiões, nós precisamos contextualizar seus tempos, espaços, linguagens, culturas e percepções pessoais, inclusive os próprios religiosos ao expressar o mundo sagrado através da sua narrativa. Ao pensar sobre o termo Terra Pura, me faz lembrar o que era mais importante para uma pessoa na época medieval.

Um simples agricultor tinha em sua terra a única esperança de colher os produtos para sua sobrevivência. O que poderia haver mais desesperador que perecer de fome, sobretudo no inverno tenebroso europeu ou nipônico? Tenho pensado sobre esse termo Terra Pura e feito essa analogia, pois era o que dava sentido à sua realidade. Ora, se o mais importante para esse agricultor era ter o seu terreno fértil e de perfeito plantio para garantir sua sobrevida, o contrário deveria ser o mais temido, um terreno infértil, cheio de ervas daninhas e pragas que interferisse na sua plantação e não gerasse alimentos.

Nessa hora, o prof. Leandro Karnal faz uma analogia jocosa para o jovem atual com o sermão da Montanha, o Senhor é meu pastor e nada me faltará. Ele troca por: a bateria não me falta e o wifi não cairá. Qual sentido falar de sobrevivência pelo pastoreio a um jovem cibernético que nunca viu uma horta? 

Mas vamos entender brevemente a Terra Pura, apesar ser imprudente sintetizar ou racionalizar um princípio abstrato.

A Terra Pura possui três aspectos, segundo prof Ricardo Mario Gonçalves, professor decano de história das religiões da USP e a autoridade em budismo Terra Pura: a Terra para onde se irá renascer após a morte, uma aspiração para a vida presente. As religiões procuram dar um sentido, um advento, após a morte para explicar a ânsia de continuidade desta vida, um princípio eternalista que surge quando o ser humano percebe a finitude ao se deparar com a morte alheia. O segundo aspecto sendo como um estado mental puro. Para o budismo, tudo provém da mente e retorna à mente, logo a mente é análoga a uma terra, uma terra de fertilidade de boas e más sementes. A prática budista visa tornar a mente um campo puro e livrá-la das impurezas. E o terceiro aspecto, a Terra Pura como uma inspiração de modelo à nossa sociedade em harmonia e beleza.

A Terra Pura, o mundo livre de sofrimentos, é representado por uma ornamentação estética magnífica da Índia antiga com pedras preciosas, lagos de areias douradas, pássaros míticos híbridos, brisas suaves, flores de lótus coloridas, árvores de jóias e seres músicos celestiais em toda parte. Essa Terra contudo não é um local definitivo no processo da iluminação, mas uma etapa intermediária garantida pelo Buda Amida rumo ao Nirvana, a liberação plena de todo sofrimento, a extinção total.

Mas voltando sobre o senso de auto-eternização. Segundo um amigo psicanalista e pesquisador de neurociência, o homem é o único animal que sabe que vai morrer. A consciência é a ferramenta chave para esse discernimento. Um gato não sabe o que é um gato, ele apenas existe. A zebra foge do leão pelo medo de ser comida, mas não sabe que vai morrer pela finitude da sua vida na percepção do tempo. Entretanto, o ser humano faz esse questionamento desde tempos longínquos, ele procura dar uma narrativa sobre sua finitude. Os egípcios já eternizaram seus faraós, diversas etnias faziam isso, basta lembrar dos dos museus e aulas de história. 

Todas as religiões procuram atribuir um significado no pós morte. Estamos todos especulando sem uma definição única, porém no debate religioso seus destinos são incontestáveis. A visão do budismo parte do princípio onde tudo provém e volta para a mente. Se você construir uma mente pura, a sua terra, seu mundo futura, será pura; se você cultivar uma mente maculada e impura, o seu renascimento será em um ambiente impuro. Deste modo, o católico irá nascer no paraíso de Deus, o muçulmano no paraíso islâmico e o budista na Terra Pura.

Neste momento, a fé tem um peso crucial para os devotos de qualquer religião. Estar convencido mentalmente de que um lugar melhor me aguarda que não esta terra impura, cheia de malignidades, incertezas, sofrimentos, ervas daninhas, pestes. É um assunto extenso, mas fica nosso silencioso questionamento: que estado mental estou cultivando no meu cotidiano, afinal, a morte não se anuncia. Estamos preparados para um renascimento, seja qual religião for? Procuremos, assim, purificar os Três Mundos: o mundo do pensamento, o mundo da fala e o mundo das ações. Comecemos a criar uma terra pura aqui agora, cultivando as boas sementes que nos traz paz e serenidade. Qual semente você vai jogar no dia de hoje?

Naquela terra do Buda Amitayus, Sariputra, quando suaves brisas passam através da fileira de árvores cobertas de pedras preciosas e as redes cheias de pedrarias, elas produzem harmoniosos sons. E é como se uma centena de milhares de instrumentos musicais estivem sendo tocados juntamente. Qualquer um que ouça esses sons espontaneamente fica atento plenamente ao Buda, ao Dharma e a Sangha. Sariputra, aquela Terra do Buda Amitayus está cheia de uma imensa excelência e esplendor.

Trecho do Sutra de Amida.

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Rev. Jean Tetsuji釋哲慈

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