Coletivo Indra

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Afasta de mim esse cále-se !!!

“Comecei a vida como garoto pobre, contínuo, andando mais de duas horas de ônibus todos os dias para ir e voltar do trabalho e escola. Alguém como eu não pode ter preconceito. Eu não tenho, nunca tive, nunca terei. E condeno atitude assim todos os dias. Mas se ofendi pessoas que não conhecem esses meus argumentos e a minha história, peço desculpas. Não o chamei de pegador pela cor da pele ou pela presença num trem. Chamei-o por ver que vestia o uniforme que eu sempre vejo os pegadores usarem.”

Rodrigo Bocardi em entrevista para ISTO É online 

Semana passada o jornalista Rodrigo Bocardi esteve envolvido em um caso de racismo estrutural. Um jovem negro do clube onde o jornalista joga tênis estava sendo entrevistado ao vivo e Rodrigo o “confundiu” com um dos gandulas que trabalham na quadra de tênis. O entrevistado, no entanto, compunha o time de polo aquático do clube. Um esporte que social e culturalmente não é associado ao sujeito negro. 

Esse episódio trouxe à tona duas questões muito pertinentes quando se discute racismo no Brasil: a dissociação do conceito de maldade e bondade da questão racial e o racismo estrutural.

RACISMO ESTRUTURAL

O “ato falho” do jornalista não necessariamente tem a ver com o fato dele ser uma boa ou má pessoa. Essa não é a questão. Sua atitude reflete uma escala de valores socialmente construída independente do desejo primeiro do indivíduo. O que não tira do mesmo sua responsabilidade. Mas isso discutiremos mais à frente.

Uma sociedade é formada por signos (objeto, sujeito) que carregam significados (sentido literal) que podem ser alterados pelo seu significante (sentido subjetivo, atribuído). A alteração deste significante é feita por aquele grupo ou pessoa que detém o poder no contexto social. E é esse grupo de pessoas que, segundo Foucault, vai determinar o que é verdadeiro ou falso. Ou seja, este detentor do poder é quem vai determinar o que o signo, enquanto sujeito ou objeto, “é” no contexto social e cultural. Dessa forma, o bebê vai aprendendo o significado e consequentemente o valor material ou social dos signos de acordo com o contexto social em que ele está inserido. Enquanto na Índia a vaca é sagrada, no Brasil, é alimento. Se eu vejo um sinal vermelho no trânsito eu sei que tenho que parar; se verde, seguir; se amarelo, atenção. 

Da mesma forma, essa relação se dá com os indivíduos e a construção da sua imagem na sociedade. Se eu penso em um empresário bem-sucedido, CO de uma multinacional ele será homem, heterossexual e branco de um modo geral. É claro que existe as exceções, mas aqui estamos falando em via de regra. Agora, se eu digo que fiquei assustada porque vi um homem sem camisa, de bermuda, boné, a noite vindo na calçada em minha direção, dificilmente você vai imaginar que esse homem seja loiro dos olhos azuis. 

Esses conceitos já estão estabelecidos quando nascemos porque foram construídos a partir de uma realidade colonizadora de exploração, violência sexual, física, moral de povos ditos inferiores, selvagens, por povos que se diziam civilizados. Essa construção determinou os privilegiados e não privilegiados na nossa estrutura social. E ratificou isso através de uma imagem construída e respaldada por diversos meios como as artes de um modo geral, em obras como o Sitio do Pica Pau Amarelo onde os negros são como escravos fiéis, que dariam a vida pelos seus patrões. Estão ali para servir acima de tudo. Nas novelas, nos livros de história onde o negro é sempre retratado como um pobre coitado feio e submisso, enquanto os brancos são os heróis do Brasil. Pela linguagem que reproduz racismo e preconceitos em forma de gírias, expressões ou piadas “que teriam bem mais graça se não fossem o retrato da nossa ignorância transmitindo a discriminação desde a infância. E o que as crianças aprendem brincando é nada mais, nada menos do que a estupidez se propagando. Qualquer tipo de racismo não se justifica” (1).  Enfim, as posições sociais são construídas de forma direta pela relações de poder, e ratificadas de forma indireta pelas relações subjetivas.

Portanto, é “normal” olhar um sujeito negro que se diz de um clube elitista e imediatamente enxerga-lo como um trabalhador de baixo escalão deste lugar. Porque assim esta construído e estabelecido no nosso imaginário como real e verdadeiro. 

No entanto, temos cada vez mais infinitos meios de desconstruir essas imagos pejorativas e reformular ideias, pensamentos, posturas. Não apenas no discurso. Mas obrigatoriamente na prática. Não há mais espaço para dizer “eu não sabia” ou ter qualquer outra postura defensiva. A auto defesa numa situação como essa é, na verdade, uma tentativa de manutenção de privilégio seja ele da fala, comportamento ou atitudes.

Isso constitui o RACISMO ESTRUTURAL. Mas essa estrutura foi construída por nós enquanto sociedade. Então cabe a nós enquanto sociedade e a cada um de nós enquanto seres humanos criarmos uma outra estrutura verdadeiramente justa e igualitária.

BOM X MAL

Outro conceito muito utilizado pelo racismo é o de Bondade e Maldade. Temos a ideia de que uma pessoa racista é uma pessoa ruim, maldosa, vil. Pode ser que sim. Mas nem sempre, aliais, no Brasil, na maioria das vezes não é. A maioria das pessoas boas e racistas se acham no direito de ser porque elas como “boazinhas que são” não tem a intenção de ser racista, então tá tudo certo. 

Quando uma pessoa comete um homicídio, se ela teve intenção ou não, isso vai amenizar ou não a sua pena, mas ela será responsabilizada pelo ocorrido SIM! Não importa se você teve ou não a intenção de ser racista. Se foi, tem de se responsabilizar por isso e ponto final. Seja reconhecendo e pedindo desculpas, seja sendo preso pelo fato dependendo do grau da agressão. Mas tem de ser responsabilizado. 

A estratégia da bondade e maldade é para fazer a vítima, no caso, o sujeito negro(a), se sentir culpado e assim o privilégio se mantém e a opressão continua.

Você pode gostar de pessoas negras, namorar com elas, ter amigos negros ou negras, você pode ter sido muito pobre e convivido com pessoas negras sua infância inteira, mas isso não os impede de ser racista porque o racismo esta na estrutura da nossa sociedade. E só vai ter fim quando o privilegiado parar de se defender na condição de boa pessoa e enxergar onde e de que forma esta reforçando o racismo no seu dia a dia. Porque, enquanto ele ficar se defendendo dizendo o quanto é “bonzinho” não vai mudar NADA! Muito pelo contrario: essa postura acaba por tentar invalidar e por vezes calar o discurso do oprimido e manter sua condição de privilegiado. Seja por nascença ou por ascensão social. O racismo no Brasil é fenotípico. Quanto mais escura a sua pele mais preconceito o sujeito sofre.

Então fica a dica para as pessoas “boas de coração” e que cometem um ato racista: quando lhe for apontado, admita. Reconheça. É o que as pessoas “boas” devem fazer num primeiro momento. Depois procure se policiar para não errar novamente. E NUNCA, JAMAIS, invalide ou diminua de maneira nenhuma a queixa de quem se ofendeu com o ocorrido. Porque esse ofendido sente dia a dia na pele o peso da sua mordaça disfarçada de bondade. Se um sujeito não negro, pobre passou dificuldades na vida para alcançar o topo, isso não dá a ele o direito de falar o que quiser, não o blinda de nada. Sua ascensão deve ter muito de mérito seu, mas não podemos esquecer que sua tez clara lhe facilitou muito o caminho de forma determinante. Porque meritocracia no Brasil não existe, o que existe é racismo. E racismo mata, cala, ofende, humilha e é crime. Seja por pessoas boas ou más. Aliais, segundo os cristãos, satanás era um anjo...  

Tati Tiburcio

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