Coletivo Indra

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Anagramas femininos

Tatiana Tiburcio

Sua atuação como Mirtes, mãe do pequeno Miguel (mais um menino negro vítima do racismo negado e institucionalizado nosso de cada dia), no especial “Falas Negras” exibido pela Globo no Dia da Consciência Negra (20 de novembro de 2020), emocionou o Brasil pela entrega genuína e pela emoção de cada palavra, cada pranto. Sua voz foi - e ecoou - a de muitas mulheres, mães, realezas.

A força e a visceralidade que marcam todos os trabalhos da Tati Tibúrcio, sejam eles em papéis de protagonistas (“Insubmissa Negra Voz - Conceição Evaristo” e “Sol Nascente”) ou pequenas participações (“M8 - Quando a morte socorre a vida” e “Malhação - Viva a Diferença”), reafirmam a grandeza do seu talento e mostram a consciência do seu papel como atriz e mulher cuja arte tem o poder de dialogar e provocar reflexões sociais urgentes e negligenciadas.

Tenho a honra de ser seu colega nesse espaço permanente de debate. A cada texto assinado por ela aprendo e me inspiro por tudo que representa, por tudo que ela constrói a cada personagem e por toda sua trajetória de arte vida nas telas, nos palcos e nas histórias que ela, mais que interpreta, vive e sente com verdade, com amor.

A 3ª entrevistada do especial “Anagramas Femininos” é a atriz, diretora e preparadora de elenco:

TATI TIBURCIO

ITAT OICRUBIT

1- Como é sua relação com o tempo? Quais sentimentos e reflexões a fenda entre o passado e o presente te provoca? Seu estado bígamo de permanência e mudança, junto à maturidade que ele traz consigo, te inspira e te transforma numa mulher mais consciente do seu papel, do seu poder e do que seu corpo representa como expressão política, social e cultural?

Comecei a perceber a passagem do tempo em mim depois da maternidade. Tudo mudou de forma muito intensa. Física e emocionalmente. De repente você vê que a imagem que você tem de si, na cabeça, não corresponde ao que reflete o espelho. Mas, mesmo diante do susto, há também a ampliação da sua percepção do mundo, da vida. Um outro tempo se estabelece. A vida desacelera pra que a gente dê valor ao que realmente importa.

2- Quais suas referências femininas, na ficção e na vida real, mais simbólicas e atemporais? A Tati de agora consegue olhar para a Tati de anos atrás, criança e adolescente, e ver um reconhecimento nessa digressão? O que uma diria pra outra na possibilidade de um reencontro?

Minhas maiores referências são Dona Ruth de Souza e minha mãe. Na possibilidade de um encontro comigo mesma em outro tempo, diria para mim apenas:

“Tenha calma! Tudo segue como tem que ser... de fato"

3- Você busca identificação naquilo que consome? O que você lê, o que você ouve, o que você escreve, o que você interpreta, o que você quer interpretar, o que você assiste, toda essa teia artística, que nos engole pela intensidade de produção, mas que em alguns casos peca pela efemeridade mercadológica, parte de um exercício de reconhecimento subjetivo, que busca dialogar com a demanda coletiva da representatividade de uma história ora não contada, ora mal contada? 

Eu procuro me instrumentalizar em todos os sentidos, na medida do possível, com referências artísticas, literárias ligadas à compreensão do sujeito negro no contexto social e cultural. Mas não me limito a esse lugar. Me permito a banalidade, sabe? A leveza. Porque o peso do discurso é muito grande e não podemos nos resumir apenas a ele.

4- Entender nossa ancestralidade é peça-chave no processo histórico de afirmação identitária e pertencimento social? Para saber quem somos como indivíduos e como nossas ações interferem no processo de (re)construção social, é importante ouvir e aprender com aqueles que abriram os caminhos para que nós pudéssemos andar e chegar até aqui?

Sem dúvida!!! Quanto a isso o trecho de um espetáculo do qual fiz parte na Cia dos Comuns, define muitíssimo bem "É preciso olhar para trás para ir em frente. Porque atrás de nós tem um espelho. E nesse espelho é que está a nossa cara verdadeira. Um espelho de rainhas. Rainhas mães, guerreiras, CANDACES. (...) a gente tem que se olhar nesse escudo de guerreiras e com as nossas armas enfrentar os inimigos. Ainda que ele tenha 1000 braços. Muitas armas, muitas vozes. Tenho muita preocupação com o futuro desse mundo porque é preciso se importar mais com o passado".

Tatiana Tiburcio

 Felipe Ferreira entrevista Tatiana Tibúrcio

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