Coletivo Indra

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“Anagramas Femininos”

Sabrina Fidalgo

Entrevistei Sabrina Fidalgo pela primeira vez em 2015, via Skype, quando eu ainda era colunista do Cinemação. A conversa sobre a mulher negra no cinema brasileiro e “Personal Vivator”, seu curta metragem de trabalho na época, foi incrível e rendeu um excelente material transcrito por longas horas de prazeroso trabalho. No ano seguinte, nos conectamos novamente e ela me contou sobre seu filme “Rainha” e os elementos culturais e identitários que ele traz na sua estética. 

 A cada nova entrevista, ela me apresenta novas histórias, me leva a novos caminhos que rompem o status quo das coisas, provocando reflexões e questionamentos que mexem com minha percepção de sociedade, de artista, de indivíduo. Sabrina é inspiração permanente na minha existência mutável como escritor e como pessoa.  O que eu leio, escrevo, penso, aprendo, reconstruo e tento praticar diariamente se deve muito ao que ela faz e representa.

A 2ª entrevistada do especial “Anagramas Femininos” é a diretora, roteirista, atriz e produtora:

 Sabrina Fidalgo

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1- Como é sua relação com o tempo? Quais sentimentos e reflexões a fenda entre o passado e o presente te provoca? Seu estado bígamo de permanência e mudança, junto à maturidade que ele traz consigo, te inspira e te transforma numa mulher mais consciente do seu papel, do seu poder e do que seu corpo representa como expressão política, social e cultural?

Minha relação com o tempo é saudável, saudosa e resiliente. O passado é parte da minha vida, mas, ao mesmo tempo, quanto mais se esgarça o tempo, quanto mais longínquo o passado se torna, menos peso, menos importância e menos sensível me torno em relação a ele. São como fotos que vão se amarelando com o tempo. Não quero dizer com isso que o passado me seja irrelevante, muito pelo contrário. Sou muito acometida de nostalgias e lembranças, mas tenho o entendimento que a vida é essa correnteza que segue no agora e tento me manter nessa maré do presente que é o que existe. Com certeza o estado de permanência e mudança são partes importantes do processo de maturação. Eu sou aquilo agora que sempre desejei ser quando eu era muito pequena.

2- Quais suas referências femininas, na ficção e na vida real, mais simbólicas e atemporais? A Sabrina de agora consegue olhar para a Sabrina de anos atrás, criança e adolescente, e ver um reconhecimento nessa digressão? O que uma diria para outra na possibilidade de um reencontro?

Tenho muitas referências. Minha mãe (a produtora teatral Alzira Fidalgo) é uma grande referência, uma mulher linda, iluminada, bondosa e generosa que superou muitas adversidades na vida e ainda assim decidiu olhar para a beleza das coisas. Ser feliz é muito difícil porque é uma decisão de vida. Isso ela me ensinou. Minha avó, Dona Aldenora Fidalgo, mãe do meu pai, que esse ano fará 95 anos, é uma mulher totalmente lúcida, dona de uma memória assombrosa, que pariu onze filhos, perdeu alguns tantos, e hoje ainda é poeta e contadora de histórias. Essas são minhas maiores referências femininas. Acho que a Sabrina de agora olha com muito carinho e um sorriso de canto de boca para a Sabrina criança e adolescente que queriam ser exatamente o que sou agora. Diria para elas: olha só no que deram os seus planos, garotas! Vocês arrasaram!

3- Você busca identificação naquilo que consome? O que você lê, o que você ouve, o que você escreve, o que você escreve, o que você roteiriza, o que você assiste, toda essa teia artística, que nos engole pela intensidade de produção, mas que em alguns casos peca pela efemeridade mercadológica, parte de um exercício de reconhecimento subjetivo, que busca dialogar com a demanda coletiva da representatividade de uma história ora não contada, ora mal contada?

Não busco somente identificação naquilo que consumo. Eu gosto de imaginar outras histórias, outros mundos, o desconhecido. Coisas estranhas, distantes e diferentes com as quais eu, num primeiro momento, não me identifico. Lugares que, talvez, eu nunca vou conhecer. Essa é a beleza de estar nesse planeta. Não me prendo a racialidades ou a um pensamento pan-africanista “naiv” no sentido de só e somente me alimentar disso artística ou intelectualmente falando.  Me interessa consumir artes do Oriente. Me interessa ouvir músicas do Ártico. E por aí vai. Não quero me tornar refém de nenhuma condição que me pertença.

4- Entender nossa ancestralidade é peça-chave no processo histórico de afirmação identitária e pertencimento social? Para saber quem somos como indivíduos e como nossas ações interferem no processo de (re)construção social, é importante ouvir e aprender com aqueles que abriram os caminhos para que nós pudéssemos andar e chegar até aqui?

Acho que sim e não. Esse termo “ancestralidade” anda muito desgastado e, ultimamente, ando com bastante preguiça desse lexo. Eu vivo para o agora e para o futuro. Mas entendo que isso seja importante para muitas pessoas, digo, esses processos históricos. Fato é que nada sabemos direito. Fomos descolados da mãe África e tudo o que restou são quimeras e suposições. Que são lindas, isso é inegável. Mas, por outro lado, não somos mais de lá, não existe mais esse pertencimento por mais potente que essa ideia possa vir a parecer. Me dei conta disso quando estive em África. Somos brasileiros, dessa terra aqui. E aqui é o que me interessa. Mas concordo no que tange aqueles que abriram caminhos para nós.

É preciso reverencia-los.

 Felipe Ferreira entrevista Sabrina Fidalgo

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