Coletivo Indra

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As três violências que fundaram o Brasil

Parece realmente um pesadelo...

Uma menina negra de 8 anos é assassinada por policiais, pelas costas, numa van onde estava com seu avô. E ainda há quem justifique...

Nossas florestas pegando fogo criminosamente. E no discurso do presidente, em plena ONU, a culpa é dos índios. E ainda há quem acredite...

Nossa educação e pesquisa estão sendo estranguladas por falta de recursos, enquanto o senhor ministro da educação prefere utilizar chacotas na hora de se comunicar. E ainda há quem ache graça...

Dona Fernanda Montenegro, a maior expressão do talento, integridade e respeito do nosso panteão de grandes estrelas, é desrespeitada. E ainda há quem faça coro...

O bispo responsável pela igreja que mais cresce no país, e que se mistura cada vez mais perigosamente com a política, declara que as mulheres devem estudar apenas até o ensino médio. E ainda há homens e mulheres que lhe dizem amém...

Assassinatos racistas, desprezo pelo meio-ambiente, ojeriza pelo conhecimento, ataques à cultura, machismo, religião dominando a política, ...

Há quem se pergunte o que houve com o Brasil. Mas há, também, quem entenda através do estudo da história, que esses desatinos sempre estiveram entre nós. Afinal, somos um país fundado através da violência. Segundo Jaqueline Gomes de Jesus, pós doutora pela Escola Superior de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, são três as principais violências que nos fundaram como nação.

A primeira, o genocídio indígena. Desde a invasão portuguesa, em 1500, os indígenas foram um entrave para o assalto às riquezas desta terra brasilis. E ainda são. Sua maneira de viver em harmonia com a natureza, fundamental para a preservação do planeta, é um entrave para quem só vê lucro onde vemos o verde. Para o branco invasor, esse genocídio histórico fundamenta a compreensão de que ele pode matar quem estiver obstruindo seus negócios.

A segunda, a escravidão da população negra. O maior país escravocrata do mundo, com a benção da igreja católica de então, sequestrou, transportou em condições desumanas, negociou, matou, castigou, chicoteou, torturou, violentou milhões de pessoas durante séculos. Para o branco proprietário, essa escravidão fundamenta a compreensão de que ele pode colocar quem quiser para trabalhar, sem sequer se preocupar com direitos trabalhistas.

A terceira, a censura. Em vários momentos desse país, pessoas foram perseguidas, caladas, proibidas de manifestarem sua arte ou opinião política. As manifestações culturais, que tem por princípio a ampliação da compreensão do mundo e de si próprio, não interessam aos regimes totalitários. Para o político que está no poder, a possibilidade de utilizar a censura define justamente que tipo de político ele é.

Sendo assim, o Brasil sempre assassinou os indígenas, violentou pessoas negras, e, muitas vezes, censurou não só artistas, mas qualquer voz que tenha se levantado contra os desmandos dos governos. 

Parece incrível que esse pesadelo que aí está, eco histórico de outros pesadelos, siga sendo legitimado por muitos brasileiros. Já sabemos que não pela maioria e, em tempos de robôs da internet, podemos intuir até que por menos gente do que parece. Mas, como estas violências foram a base da formação da classe dominante desse país, estão no dna de quem sempre usufruiu dos privilégios e do poder. Pessoas que, historicamente, acreditam que têm direito de matar, escravizar, censurar.

Mas é fato também que as populações tradicionalmente assassinadas, escravizadas e censuradas compreendem, hoje, que possuem cidadania. Que também têm direitos. E estão lutando, como aliás sempre lutaram, por sua vida, liberdade, meio-ambiente e cultura.   

Acredito que, nas discussões políticas, o melhor caminho é o diálogo, a compreensão dos motivos do outro, a ampliação de nossa visão de mundo através de diferentes pontos de vista. Porém, quando se fala de racismo, assassinatos, fim de direitos e censura, não há negociação. 

Cabe a cada um de nós decidir de que lado está. Quantos mais formos pela vida, pelos direitos e pela cultura, mais cedo esse pesadelo vai acabar. 

Renato Farias

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