Brasília, joia rara prometida...
“Brasília, jóia rara prometida,
que Nossa Senhora de Aparecida,
estenda seu manto para o povo seguir”
Eu casei com uma pernambucana, que obviamente é carnavalesca. Adora frevo e carnaval de rua. Como todo pernambucano, é extremamente cultural e tem o carnaval, assim como o São João e as demais festas populares, como parte da sua formação pessoal.
Este ano, e quero deixar claro que em sua homenagem, resolvi “levá-la”, ou melhor dizendo, acompanhá-la no carnaval do Rio de Janeiro. Eu já passei alguns bons carnavais no Rio, mas ela nunca tinha ido. Dessa forma, e tentando convencê-la de que há carnaval fora de Pernambuco, resolvi desfilar em uma escola de samba.
Minha paixão desde sempre é a Vila Isabel. Sou muito fã de Noel Rosa. E este ano soube que esta escola iria homenagear Brasília, cidade em que moramos. Sabendo disso, fizemos todo o possível para desfilar nesta escola. Conseguimos. Saímos no carro da ala dos “Retirantes Nordestinos”. Nada mais emocionante do que duas nordestinas que vivem e amam Brasília participarem desta ala.
A escola trouxe toda a história que antecedeu a construção de Brasília, desde a lutas das comunidades indígenas e quilombolas de todas as regiões do país; a influência/exploração dos colonizadores, principalmente com relação a extração de minerais preciosos; e mais a frente no tempo, o êxodo rural e a migração dos nordestinos para o Sudeste e Centro Oeste, na tentativa de melhores condições de vida. O carro da ala dos nordestinos era um pau de arara e a parte do samba enredo que os representava segue abaixo:
“Quando a cacimba esvazia,
Seca a água na moringa,
Sertanejo em romaria,
É mais forte que mandinga”
O objetivo da escola, nada mais era, homenagear a capital do Brasil, o que fez muita gente questionar o tema escolhido. Por que falar de Brasília? Brasília, uma terra de tanta corrupção! Em tempos de ódio, o melhor é trazer temas de maior reflexão, como fez a Mangueira e a São Clemente.
A escola, quando homenageia Brasília, nos faz lembrar que esta, para além da política, é uma cidade transcultural e, portanto, a homenagem acaba sendo para todos os brasileiros. É uma cidade cuja identidade ainda está sendo formada ano após ano. Esta é influenciada por diferentes regiões do país, sendo talvez o único lugar que conseguimos encontrar um pedacinho de cada canto do Brasil. Conhecida como o “quadradinho de Goiás”, tem uma forte influência musical e gastronômica deste estado. Isso significa que conseguimos encontrar fácil o empadão goiano, a pamonha salgada e o sertanejo. Mas não somente aquele conhecido como “universitário”, mas também o raiz, a toque de viola e letras mais robustas. Da mesma forma, consegue-se usufruir das mais belas cachoeiras, algumas encontradas a poucos km da capital. Muitas vezes, pela proximidade, confundimos as cidades goianas com as regiões administrativas (RA) do DF.
Mas se você não gosta de sertanejo ou de roça, não se preocupe, Brasília tem uma RA, que pela proximidade é praticamente um bairro, chamada Cruzeiro, onde a maioria da população é composta de cariocas e, dessa forma, encontramos muito samba e feijoada todos os finais de semana. Nos botecos, nas praças, nas calçadas, nos quiosques ou na feira, o samba está presente. Além disso, lá é onde encontramos a tradicional escola de samba - a Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro (ARUC). Mensalmente tem-se o Círculo Operário, um projeto que revitalização de espaços públicos e inclusão social. Ainda se tratando de Sudeste, em muitos locais encontramos o feijão tropeiro, o frango com quiabo e a carne de lata, da culinária mineira, servidos em excelentes restaurantes.
Chegando no Nordeste, muitos são os espaços culturais dedicados a esta região, com forró pé-de-serra todos finais de semana. Esses locais, normalmente clubes, são abertos para não sócios com valores acessíveis. É comum encontrarmos o mesmo público, nem sempre nordestinos, que frequentam o forró pé-de-serra somente para dançar. Brasília tem diversos restaurantes com pratos típicos nordestinos, e acredite, nem caranguejo nessa terra sem mar falta. Seguindo a tradição do “meu” Ceará, todas quinta-feira é dia de caranguejo. E assim, eu consigo sentir o gostinho do mar sem sair de Brasília.
Conseguimos encontrar também o tacacá, a maniçoba e o pato no tucupi, pratos típicos da região Norte do país. Infelizmente, no tocante a musicalidade nortista, não conheço nenhum local que traga o carimbó e os outros ritmos, com a frequência que eles mereciam ser trazidos.
Em toda quadra de Brasília temos bares e pubs cuja musicalidade perpassa pelo jazz, blues, rock nacional e internacional, demonstrando a diversidade musical da nossa capital. E acreditem, nesta “terra de políticos” encontramos sim espaços acessíveis para o nosso povo, posso garantir que sim. Anualmente temos festivais e festas abertas, e alguns estão listados a seguir:
. Festival de Jazz, normalmente ocorre no Parque Sarah Kubitchek e é financiado pelo Banco do Brasil;
. Green Move Festival, que ocorre no eixo monumental e estimula a coleta seletiva de lixo e a reciclagem;
. Piknik, festa que ocorre mensalmente, mas sem local fixo. Aberto a comunidade por completo, incluindo os LGBTQI+, onde todos são bem-vindos.
. Festival do Morango, que ocorre em Brazlândia, com preços irresistíveis para compra de morangos, além de apresentações culturais, música, dança e artesanato.
. Festival de Brasília de Cinema Brasileira, é um festival de cinema brasileiro sediado em Brasília, no histórico Cine Brasília, sendo o mais antigo do gênero no país. Festival aberto, entrada gratuita e premiação de longas e curtas.
Aqui na capital tem o carro da pamonha, aquele que fica repetindo sem parar “esse é o carro da pamonha, pamonha, pamonha; temos pamonha doce e salgada. Não precisa se apressar, esperaremos por vocês..”. Além disso, as feiras de frutas e verduras na rua são super comuns e cada quadra tem o seu dia e local. Da mesma forma, não é incomum vermos hortas comunitárias, como a que temos aqui em frente a nossa casa. Couve, alface, brócolis dentre outros vegetais. Temos um pomar lindo também, com mamoeiro, abacateiro, mangueira, limoeiro, pitangueira, amoreira, jaqueira, dentre outras arvores frutíferas. Tudo a mão. Existe um certo equilíbrio entre o progresso e a preservação. Eu acordo com o canto dos sabias e bem-te-vis e vejo sempre carcarás, na maioria das vezes no meio do asfalto. Muitas vezes, esta cidade me deixa bucólica. Remete-me ao interior cearense, onde preservamos a natureza e comemos fruta no pé!
Se vocês me permitem a sinceridade, eu consigo visualizar tanta coisa boa em Brasília que a última coisa que eu lembro quando penso nesta cidade são os políticos.
Brasília pode ser aconchego, de verdade.
Basta ter o coração aberto para isso.
Abraços,
Rafaella Albuquerque
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