Coletivo Indra

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Buscando significados

Hoje vou me propor a ser pouco objetivo. Me perdoem. Esse é um espaço no qual me permito escrever com bastante liberdade, variando imensamente os temas e sem definir de antemão, antes de sentar-se para escrever, para onde eu vou.

Isso tem uma explicação, que ao menos para mim faz sentido: todo assunto merece ser abordado por diversos ângulos e linguagens. Assim, proponho um texto menos informativo ou ligado a conjuntura, lançando mão largamente da ficção, não deixo de falar de política e da nossa vida em sociedade.

Assim, talvez seja o meu maior objetivo aqui, olhar de diversas maneiras, no macro, no micro e no subjetivo, aquilo que nos faz viver juntos.

Por outro lado, quando proponho uma abordagem com ares de ficção, utilizo disto também para me mostrar nas entrelinhas, podendo ir além do que eu sou ou de como vivo, mas, ao mesmo tempo, desnudando partes do meu interior, que poucos (ninguém?) acessa com facilidade.

 Faço essas considerações preliminares para introduzir o motivo do texto de hoje. Há muita coisa acontecendo: privatização dos correios, reforma eleitoral, voto impresso derrubado em comissão, mas com chances de ser votado em plenário da Câmara, aquela doença sem fim, olimpíadas, desmatamento e tanto, mais tanto para ser abordado.

Há muito sobre o que escrever e debater, concordando ou discordando. Mas no meio de tudo isso, existe a gente, nós, vivendo. Por exemplo, nós estamos nesse país, Brasil (me perdoe meu leitor estrangeiro, mas a reflexão também se aplica a ti), em 2021. O que isso significa?

Há diversas formas de responder a essa questão exemplificativa. Algumas de cunho mais acadêmico a partir dos diversos campos teóricos de análise, que também podem se interrelacionar nessa tarefa, mas também é possível buscar respostas a partir de áreas que primam menos pela objetividade, mas não deixam de ser importantes na construção de, se não uma identidade, daquilo que nos mantém minimamente ligados a esse significante, para além do mesmo idioma ou do mesmo território.

Artes, cinema, música etc. Refletindo sobre isso, a primeira forma de responder (para mim) seria me socorrer de autores clássicos que estudaram a formação do nosso pensamento, buscando encontrar neles as raízes do que é ser brasileiro, e quais os impactos para hoje, em 2021 (os clássicos sempre nos trazem respostas atuais e por isso permanecem contemporâneos em vários aspectos). Essa identidade de que falamos é uma construção social e que tem em sua base uma reflexão de alteridade, a partir de um outro.

Eu sou em oposição ou conformação com aquilo. E também ela é uma multiplicidade, a partir do local de referência. É possível discutir que as identidades ligadas a ideia do estado nacional estejam em crise, como também está em voga o reconhecimento e valorização das identidades de grupos antes (ainda) marginalizados e oprimidos por diversas formas. A psicologia também pode oferecer uma série de respostas.

Findo o exemplo, quero dizer que não é isso que me satisfaz, não agora, e talvez já estivesse desviando do principal. Não é exatamente isso que eu procuro para esse raciocínio. Tampouco isso significaria dar a entender que a discussão a partir de outros referenciais não é importante ou relevante, para que fique claro. Aqui não tem certo ou errado (mas tem responsabilidade).

É que aqui eu quero falar mais do eu (e vocês pensem no eu de vocês), e por isso comecei em primeira pessoa, tão difícil para mim. Queria saber qual o meu lugar no mundo e o que eu sou para as pessoas.

E também falar pra entender, com vocês, onde é que nós devemos estar diante disso tudo? Como lidar com essa multiplicidade de demandas que surgem e que, ao fim e ao cabo, se incorporam com aquilo que dizem que eu sou? É possível escapar de um lado? E o que significa isso tudo, no Brasil de 2021? Como esse é um espaço de reflexão, acredito que essa ganha em muito com as percepções individuais que podem ser trazidas por cada um que vier para aqui.

Por exemplo, qual é o significado de tomar café de manhã e de sorrir com uma mensagem boba para você? E qual é o nosso papel social na construção dessa cadeia de relações e de potencialidades que vão para algum lugar, melhor ou pior?

Não nego que, ao escolher o lado da reflexão, isso já representa se distanciar de outro. Em uma célebre conferência para estudantes da universidade de Columbia, em 1995, Umberto Eco relacionou diversas características daquilo que ele chamou de “fascismo eterno”. Uma delas, é a recusa da reflexão e do pensamento, uma vez que o culto à tradição existente nessa ideologia impede o avanço do conhecimento. Este, buscaria pela existência de uma verdade revelada e, portanto, nada existiria de novo para se criar por meio do pensamento. Para quem frequenta, aqui, minha identidade a esse respeito já está dada de forma bastante clara.

Nós precisamos de tempo para reflexão e para o pensamento, em busca de nossas identidades. Em busca de conhecermos nossas necessidades e capacidades. É preciso sentar, é preciso andar devagar e é preciso debater com transparência. Ou seja, a nossa construção enquanto sujeito imerso nesse determinado contexto social precisa de atenção e contemplação, sendo também indispensável valorizar os diversos mecanismos que possibilitam essa tarefa.

Isso vale para a reforma eleitoral e para as nossas amizades. Também reforça a tragédia que é o incêndio no acervo da Cinemateca Brasileira, que ao destruir nossa memória cinematográfica, limita o acesso a criações que nos oferecem outra maneira de pensar. É preciso esforço para olhar além, para sair do raso. Para enxergar uma dimensão maior do contexto e daquilo que o influencia. Não dá para resolver a vida de afogadilho. Onde vamos parar com isso?

Num mundo onde o estímulo por velocidade é constante, onde a palavra escrita perde força para a informação superficial, que pode vir embalada das formas mais incompatíveis quanto possível - como a dança de tiktok para falar de ansiedade – é fundamental parar um pouco, para tentar entender o que está acontecendo e o que a gente pode fazer com isso tudo. Conosco e lá fora. Esse espaço, às sextas-feiras quinzenalmente segue se propondo a isso, até quando me for possível. É uma vitória ter chegado até a última linha (escrevendo ou lendo).

 Arthur Spada

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