Coletivo Indra

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Cenas cotidianas

As imagens são do fotógrafo Russo Alexey Titarenko.

http://www.alexeytitarenko.com/

Cena 1: Outro dia, enquanto esperava o semáforo de pedestre abrir, vi um pai segurando na mão do filho do meu lado esquerdo e, a minha direita, as pessoas começaram a atravessar a despeito do sinal permanecer fechado, já que o fluxo de carros tinha diminuído. Eu tive o ímpeto de aproveitar a deixa também. A criança tentou avançar, ao assistir ao que todos estavam fazendo, mas foi segurada pelo pai. Depois que o menino foi repreendido, eu me mantive e aguardei o semáforo ficar verde, muito mais em abono ao ensinamento daquele pai que em respeito as regras de trânsito. 

Cena 2: Algumas semanas atrás, depois de voltar de um bar com amigos sem jantar, parei numa lanchonete fast-food dessas famosas (que não vou dizer qual) para levar um lanche para a casa e não dormir de estômago vazio. Enquanto esperava ser atendido, percebi que o empregado da loja estava atendendo outras pessoas, que não estavam lá. Eram todos pedidos online. Eu contei pelo menos cinco clientes na minha frente. Ele repetia os pedidos para ele mesmo o tempo todo para não esquecer nada, pois certamente seria cobrado caso algum chegasse errado. 

Eu quase desisti de comer ali, fiquei aflito. É responsabilidade minha fomentar esse modelo de negócio? Eu ir embora faria alguma diferença? Deveria reclamar com a marca sobre como os funcionários são sobrecarregados com os pedidos ao vivo e online? Confesso que tudo isso passou por minha cabeça, enquanto esperava ser atendido (ele me pediu desculpas pela demora) e a única coisa que fui capaz de fazer, foi parabenizá-lo pelo esforço, e dizer que não era fácil. Ele concordou. Senti que foi o único cliente de carne e osso que havia conversado com ele. 

Cena 3: Enquanto almoçava sozinho, num dia normal de trabalho, fui abordado por uma senhora, que devia ter mais de setenta anos, e havia acabado de comer a duas mesas de distância da minha. Ela me cutucou, pediu licença e que eu não ficasse bravo com ela. Disse que enquanto eu comia, eu não parei de olhar para o meu celular, o que não iria fazer bem. De fato, era verdade. Hoje eu dia a gente não para, né. Concordei e disse que ela estava certa, que não ficaria bravo e demos risada. Quando ela saiu, não comi mais olhando para o celular. 

Trouxe essas cenas à tona, não porque elas contenham algo de especial em si, mas para nos lembrar da importância de nos mantermos atentos ao nosso entorno. Pode parecer óbvio, mas por vezes agimos como se estivéssemos sozinhos no mundo. Se eu não tivesse, por acaso, visto aquela criança tentar atravessar, certamente eu teria estragado a lição de seu pai, somente pra ganhar alguns segundos de vantagem. Se aquela Senhora não tivesse me dado um conselho, talvez eu nem tivesse sentido o gosto da comida de verdade. 

Mas há coisas maiores para as quais também devemos nos atentar, como a situação daquele atendente de fast-food. Certamente esse tipo de trabalho não seria tão disseminado se nos preocupássemos com quem está atrás do balcão, como nos importamos com nossa própria fome. Os lucros não poderiam ser mais relevantes que os seres humanos, se nos atentássemos para isso. 

É importante que estejamos atentos ao nosso redor, mas para fazer isso, é fundamental que você esteja consciente de si. É um movimento de mão dupla: quando você se coloca presente de verdade no seu cotidiano (e para de almoçar olhando para o celular), consegue apreciar melhor aquilo que o mundo tem pra lhe oferecer. Pode ser que as vezes doa e você não saiba o que fazer com aquilo que recebe, mas, na maioria das vezes, vale a pena. Olhe para o mundo como gostaria que percebem sua importância. Se encante com ele.  

Certamente você também se depara com cenas assim todos os dias (quem sabe queira contar uma aqui embaixo). Utilize-as para se lembrar dessa importância de nos preocuparmos com aquilo que nos cerca. Esteja atento para elas e se faça presente para perceber o que elas podem lhe ensinar. Contribua com os pais que ensinam seus filhos, ou para tirar alguém de seu tormento, ainda que por alguns segundos. 

Arthur Spada

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As imagens são do fotógrafo Russo Alexey Titarenko.

http://www.alexeytitarenko.com/