Coletivo Indra

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Contando o tempo dos encontros.

mãos

Fui contemplado com a leitura de 02 (dois) textos do Contardo Calligaris (1948-2021) na semana da sua morte (física-matéria-concreto-corpo). Um sobre o filme “Closer - Perto Demais” e o outro um raio-x minucioso sobre a vida sexual em Nova York após o atentado do dia 11 de setembro.

Mais que uma dupla leitura que poderia soar datada, já que os textos foram escritos e publicados em 2005 e 2003, respectivamente, as duas me levaram a uma sessão de terapia reveladora. A primeira de muitas. 

A decupagem psicológica das personagens em 05 fragmentos intrínsecos entre si, me fez repensar sobre as ações e as motivações que a todo instante moldam e formatam nossas relações amorosas, trazendo à tona conflitos e nossa incapacidade de controlar tudo que sentimos, idealizamos e fazemos.

“Essas ranhuras nos levam a responder à pergunta do título do texto“ por que somos infelizes no amor?”.

Alguns encontros, quando muito bons, provocam reencontros, e depois desse tenho certeza que verei o filme - e as minhas relações - com outros olhos.

Em “O Sexo na Cidade”, Contardo faz uma viagem histórica nas décadas de 60 e 70 para mostrar como o sexo sobrevive nos tempos atuais como espetáculo ou atração turística. A busca pelo prazer sempre travou um duelo barroco com o comportamento ortodoxo e castrador da sociedade. 

Nossos desejos, sobretudo os tidos como diferentes e inadequados, dada a grande polêmica que o debate ainda suscita, ganharam identidade e liberdade em lugares específicos, localizados à margem do comportamento convencional, mostrando como o sexo pode ser uma válvula de escape coletiva afetada por eventos externos no espaço cosmopolita que nos cerca.         

“Por que não li isso antes?”. Volta e meia verbalizamos esse questionamento para expressar uma revolta por não termos experimentado a sensação de estar com alguma coisa a mais tempo.

Foi o que falei em voz baixa ao final do tardio encontro com o Contardo. “Como assim eu não havia lido suas reflexões psíquicas tão cotidianas e familiares ao longo da sua marcante presença na psicanálise, na literatura, na cena audiovisual?”. Tinha escutado um sopro da sua persona aqui, ali, na TV Cultura, na época de lançamento de “Psi” (série da HBO criada sob sua batuta), mas não havia passado da fronteira que separa o “sei quem é”, “já ouvi falar” do “que cara foda!”, “encontre com ele também”.   

“Vozes apaixonadas costumam dizer: “por que você não apareceu na minha vida antes?”.

Vozes racionais geralmente respondem: Não era o momento, o tempo do encontro tem uma harmonia própria, talvez o encontro - se precoce pelo ímpeto da nossa vontade voraz - fosse outro, com outras pessoas, e não teria a mesma magia que eles parecem ter a cada vez que nos vemos diante de um novo (amoroso ou não).

“ Encontros fora do tempo podem traumatizar. Leituras inacabadas. Filmes pela metade. Amores interrompidos. Talentos escanteados. 

Há um mistério que separa o encontro físico do encontro imaterial. Às vezes só encontramos o físico na ausência da matéria. A morte é necessária para que a convergência aconteça. Mas isso não quer dizer que a vida tenha se findado no momento da passagem do plano real para o outro, invisível no pragmatismo da nossa racionalidade. As homenagens precisam ser feitas no percurso vivo do corpo, mas não há tempo ideal para encontrar a transcendência na obra de quem se foi. E é justamente ela o elo infinito que une cada um de nós com a herança de quem não teve tempo de se apresentar. 

A matéria vai, o legado fica. É a atemporalidade que diz a relevância, o valor, a eternidade. Você pode encontrar hoje, amanhã, daqui a um mês, depois de anos, mas nada tira a experiência única e íntima do seu encontro com alguém, seja pessoalmente, pelo domínio público da obra que ficou ou através de dois tuites compartilhados no twitter com o link dos dois textos citados no primeiro parágrafo e que deram origem a esse “divãneio”. Póstumo, porém eterno!

 Felipe Ferreira

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●       Link dos textos:

I - https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0302200518.htm

II - https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1008200305.htm