A respeito do racismo estrutural, Silvio de Almeida teceu uma série de argumentos que contribuem para o debate sobre o tema e não deixam dúvidas a respeito de sua natureza.

Se o racismo é estrutural, o fenômeno é onipresente. Logo, o esporte não poderia ficar de fora. 

Dito isso, vamos aos fatos do domingo dia 13 de setembro de 2020, dois eventos no cenário do esporte mundial chamaram atenção para este assunto.  Na França, no jogo entre o Paris Saint German (PSG) e Olympique de Marsélia, o jogador Neymar foi vítima de racismo por parte do jogador branco espanhol Álvaro Gonzalez; na Itália, Lewis Hamilton venceu o Grande Prêmio de Toscana e, ao mostrar a camiseta com a frase: "Arrest the cops Who killed Breonna Taylor" [Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor].

Importante lembrar que Hamilton já mostrou o punho cerrado em outras vitórias e, em 2020, várias vezes, usou camisetas com a frase “Black lives matter” [Vidas negras importam]. Não temos notícias de Neymar Jr. ter feito algo parecido, pelo menos, até a data que este artigo foi publicado. Sem dúvida, o contexto social e histórico de Hamilton é bem diferente daquele no qual Neymar foi socializado, na Inglaterra, país onde o piloto nasceu a democracia racial nunca foi um discurso oficial.  Já no Brasil, Neymar cresceu ouvindo “somos todos iguais” e até coisas do tipo: você é “moreno”. Ora, tecnicamente falando, morena é uma pessoa branca de cabelo castanho e as categorias cor/raça oficiais no Brasil são: amarela, branca, indígena, parda e preta. Essas duas últimas somadas resultam na população negra brasileira. 

Pois bem, não vamos comparar as realidades raciais do Brasil e da Inglaterra, tampouco as atitudes de Neymar e Hamilton; mas, ambos são negros e sofrem racismo, do qual já foram alvos no campo e na pista de corrida. Hamilton tem protestado bastante em 2020. Neymar não é mais o jovem de 18 anos que deu entrevista dizendo que não era negro e nunca tinha sofrido racismo. Portanto, é momento oportuno para que Neymar vista a camisa “Vidas negras, importam”, usando suas redes sociais para se posicionar publicamente contra o racismo.

Dando um breve giro nos esportes, vemos que na NBA, maior liga de Basquete do mundo, os atletas protestaram em 26 de Agosto de 2020, lembrando que Jacob Blake levou seis tiros pelas costas de um policial branco na frente dos três filhos, acho que não é preciso dizer que Blake é negro. No Brasil, a contundência de protestos é menor, seja porque atletas não conseguem se articular para uma ação coletiva de enfrentamento do racismo. Ou ainda, porque atletas sabem que as represálias de um protesto antirracista serão ainda mais violentas do que o racismo cotidiano.

Afinal, os dados confirmam que aqui no Brasil quando o privilégio branco é confrontado, atletas negros são severamente punidos. Vale notar o caso emblemático do ginasta Ângelo Assumpção que por reclamar da discriminação racial, foi punido com demissão e até a data da publicação deste artigo, ainda não foi contratado por nenhum clube brasileiro de Ginástica Artística, justamente aí está o recado. Tal como no dito popular: “Bom cabrito não berra”, ou seja, “Se você é atleta e sofreu racismo, cale-se e seja ‘forte’, porque é assim mesmo e não queremos tratar desse assunto ‘desagradável’”. Depois dessa mensagem, a única maneira antirracista de corrigir essa injustiça absurda contra Ângelo Assumpção é uma reparação liderada pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG). A CBG deveria fazer uma investigação e criar condições para que Ângelo Assumpção fosse imediatamente contratado por outro clube. Vale registrar que qualquer organização ou pessoa que coloque “panos quentes” ou se cale diante de eventos racistas assina um contrato violento de cumplicidade. Pois, quem é contra o racismo, precisa demonstrar agindo. 

É preciso agir urgentemente para mudar esse quadro. A discussão sobre racismo no futebol não pode ficar restrita às reações pós-xingamentos durante a partida e com notas de clubes e jogadores que dizem coisas do tipo: “Somos todos iguais”, essa é a maior de todas as armadilhas. As reclamações depois de xingamento e notas de repúdio são reações necessárias, mas insuficientes. O debate precisa ser profundamente qualificado. O que só pode ser feito se abordarmos ações afirmativas no futebol, assim como em todos os esportes, isto é, políticas de cotas raciais nos cargos de gestão das federações, organizações e todas as instâncias administrativas da burocracia de cada desporto. Por exemplo, os clubes brasileiros de futebol não podem mais ser zonas exclusivas de gente branca quando o território é a diretoria. Não podemos ficar patinando em frases feitas como “Chega de racismo” cada vez que um negro (preto ou pardo) é xingado de macaco. Isso não basta.

Meus mestres, Yedo Ferreira (nascido em 1937) e Carlos Moore (nascido em 1942), ensinam que, independentemente de conseguirmos vencer o racismo, a nossa luta é por território e sobrevivência, Moore já disse que o racismo não vai acabar. Ferreira argumenta que não podemos combater o ódio racial, ainda assim, temos o dever de exigir políticas de reparação. Noël Le Graët, dirigente máximo da federação francesa de futebol, comentou o caso Neymar, do dia 13 de setembro de 2020, com a frase: “não existe racismo no futebol”, uma vez que as pessoas brancas aplaudem jogadores negros.

Ora, seria risível se não fosse trágico, a afirmação do dirigente branco só confirma que os negros devem ter um lugar, ou seja, podem jogar e divertir os brancos; mas, elaborar e estar no planejamento estratégico, não. 

Portanto, constatamos que é insuficiente ficar defendendo atletas individualmente, precisamos politizar e qualificar essa discussão no campo dos esportes. Neymar não é um caso isolado, precisamos  colocá-lo junto a Lewis Hamilton e tantos outros. Não podemos tratar o racismo no “varejo”, o assunto é de “atacado”. Sendo assim, quero convidar ativistas negrxs e todas as pessoas e grupos adeptos de políticas antirracistas, pan-africanistas, pró-equidade étnico-racial para uma campanha que segue uma lógica:

a única maneira de enfrentar o racismo no futebol, e em todos os esportes, é através de uma vigorosa política de ações afirmativas em funções e atividades estratégicas de gestão da burocracia.

No Brasil, nós podemos começar nossa campanha pelo futebol, no qual só temos Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, como único presidente negro entre mais de 700 clubes profissionais das séries A, B, C e D. 

Convido quem lê este artigo para uma campanha que cobre a presença negra significativa em cargos de gestão nos esportes. Já passou da hora, “cotas para cartolas!”.

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