Coletivo Indra

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Cotidiano

Hoje me deparo diante da página em branco no computador pensando no que escrever. Não porque me falte assunto ou inspiração, mas porque meus pensamentos são o tempo todo atravessados pelas inúmeras de mim que residem em mim. Lembro do dia de ontem.

No meio de uma frase que formulo enquanto desço da van que me trouxe do set de filmagem que começou as 10h da manhã, me lembro que o suco acabou e a semana começa. O pequeno tem que levar suco no lanche da escola. E da fruta, por que alimentação saudável é tudo! São 21h30, o mercado fecha as 22h se eu correr consigo pega-lo aberto. Subo para deixar a bolsa e pegar o carrinho (acho que está faltando mais coisa!). Falo para o pequeno se vestir que teremos que dar um pulo no mercado e ele diz: “Mamãe, hj é domingo! O mercado fechou as 18h....! ”. Amanhã não tem lanchinho natural, vai ser dinheiro para a merenda na escola mesmo.

Fico um pouco perdida por uns segundos tentando entender qual de mim vai tomar a frente neste momento. Um corpo parado, cansado, mas de prontidão, pronto para ser acionado a qualquer momento, para qualquer direção. Pronto! Religou. Um novo pensamento vem a cabeça. A ideia parece mais interessante de ser discorrida.

Saio catando os chinelos que insistem em ficar espalhados na frente da sapateira na entrada do ap. (crianças...!!!) Tem três crianças em casa mais o meu filho. Agarro e sou agarrada pelo meu pequeno. Que saudade/culpa/alegria!!! Dou um beijinho em cada uma delas, digo que já esta tarde e que elas têm que ir para casa. No meio da despedida uma delas me dá um abraço e fala uma coisa bonita, mas que eu não escuto porque estava tentando finalizar um parágrafo na cabeça. Me perdi... merda! Sorrio para ela, digo que a titia ama, entrego os chinelos e junto com as outras, descem as escadas correndo naquela algazarra boa que lembra a gente que estamos vivos. Mas não antes de gritarem para o meu pequeno que vão se encontrar no jogo “tal” em cinco minutos!

“Uma de mim” fica ligeiramente feliz: teria um tempinho no sofá diante da tv sem pensar em absolutamente nada...! “Outra de mim” lembra que duas linhas de pensamento já se perderam e o tempo está se esgotando. “Uma de mim” pede para ficar ali só um pouquinho, afinal, a madrugada é longa! Vai dar tempo! “Uma terceira de mim” me lembra que amanhã o set de filmagem começa cedo de novo. Não vai dar tempo! “Uma quarta de mim”, a qual quase não escuto, diz que está um pouquinho cansada do joguinho que “ele” está fazendo: quando colocado na parede sorri e não diz nada de definitivo, mas quando se despediram hoje fez questão de dar aquele beijinho no canto da boca! O famoso não F#*#* nem sai de cima!

No meio disso tudo me vem outra linha de pensamento. Lembro de uma amiga baiana que diz quando estão enchendo o saco dela: “Não aperte minha mente! ”Queria gritar isso bem alto, mas é a minha mente que está apertando minha mente, rs! Então resolvo me jogar nos braços de oxum, num banho não muito demorado. Vou fazer o jantar do pequeno enquanto ele me conta como foi seu dia e como é o novo jogo de vídeo game que inventou, enquanto mantenho um sorriso cúmplice e culpado de não estar entendendo muito do que ele diz porque estou tentando pensar no que escrever para a coluna de amanhã (hoje).

Jantamos, rimos um pouco zoando a vovó. Ainda faço uma hidratação no cabelo dele para que durma de touca (está muito ressecado...!) Deito pensando em todas nós e em tantas que residem e insistem dentro de nós e então desmaio de cansaço no colchãozinho ao lado da cama do meu pequeno. Amanhã a vida segue e isso é bom...

Hoje me deparo diante da página em branco do computador pensando no que escrever...

Tati Tiburcio

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