Coletivo Indra

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Democracia em declínio

Se o preço da liberdade é a eterna vigilância, como diz a celebre frase, a verdade é que desde a posse do nosso atual presidente tem se mostrado que a vigilância, por si só, é insuficiente para evitar a irrupção do arbítrio; basta mais que isso. Todos os alertas que foram feitos antes e ao longo do processo eleitoral, não foram suficientes para evitar a conjuntura que estamos vivendo, cujo futuro não parece ser promissor. 

Muitos alertaram sobre sua falta de preparo, sua irrelevância enquanto deputado (para dizer o mínimo), sobre seu notório preconceito contra minorias, como também sobre o seu ideário arbitrário para o exercício da atividade pública. Nenhum alerta foi suficiente para evitar sua vitória nas eleições, a qual permite agora a tentativa de implementação de seu projeto autoritário que, infelizmente, ressoa de maneira positiva em parte da população. A democracia pode ruir pela via eleitoral, como mostram diversos exemplos. 

Em artigo publicado na revista Piauí de novembro de 2019, o cientista político Fernando Limongi destaca que, por mais ignóbil que o atual Chefe do Executivo pareça pra o cargo, ele defende um projeto específico ligado àquilo que beneficia sua própria família, tendo em vista ser ele um oportunista que quer garantir o melhor aos seus. Por outro lado, para a aprovação de sua agenda de governo, ligada a promoção de um individualismo exacerbado em todas as áreas, como proposto por think tanks norte-americanos, não há qualquer esforço do Executivo, seja por incapacidade ou por falta de vontade política. Esse oportunismo em defesa de sua própria família, pode custar caro ao país. 

Na mesma revista, na edição de dezembro de 2019, Marcos Nobre ressalta a importância de o campo democrático se posicionar e se organizar contra esse governo, e que a sua normalização – o que pode ser vista quando qualquer número da economia vai bem, e os jornais logo se encarregam de defender o feito – somente contribui para sua escalada autocrática. Isso porque, este tem na manutenção do colapso das instituições democráticas e no convencimento das bases de apoio de seu projeto autoritário, como única via possível para solucionar os problemas do país, suas frentes de implementação. É preciso agir para evitar a catástrofe. 

O último escândalo que escancara essa intenção despótica foi o compartilhamento, pelo próprio presidente, de vídeos convocatórios para uma manifestação em seu favor, a qual tem caráter nitidamente antidemocrático por atacar os demais poderes instituídos. Esse ato, sucede a alegação de um de seus ministros-generais quanto a estar o Executivo sendo chantageado pelo Congresso nas questões orçamentárias, o que não é verdade. 

Para muitos, a propagação desses vídeos pode parecer inofensiva, já que se trataria de uma manifestação em seu favor, que não teria qualquer grande impacto significativo. É preciso esclarecer algo a esse respeito. 

De acordo com o artigo 85, inciso II da Constituição da República, comete crime de responsabilidade o presidente que atentar contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação.” Corroborar com aqueles que pensam que o Congresso deveria ser fechado, não me parece estar de acordo com o livre exercício deste. 

Essa vedação ao Chefe do Executivo tem uma clara razão de ser. O Brasil se constitui numa República Federativa, “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal” que “constitui-se em Estado Democrático de Direito” como estabelece o artigo 1º da mesma Constituição. Além disso, o poder que emana do povo, é exercido diretamente, ou por meio de seus representantes eleitos. 

O presidente tem um importante papel na manutenção da institucionalidade democrática e deveria agir de acordo com a importância do cargo que ocupa. Não cabe a ele escolher como o Brasil deveria se organizar ou mudar a forma como foi constituído. Aliás, não é por outra razão que a forma federativa do Estado e a separação de poderes não pode ser objeto, sequer de deliberação, para mudança constitucional. Ao presidente, cabe apenas defender e agir dentro dos limites da Constituição, cometendo crime de responsabilidade ao pretender extrapolar esses marcos. 

O caráter autoritário brasileiro está presente em diversas formas da nossa sociabilidade e ao longo de toda a nossa história. É a falta de combate deste, seja no âmbito da sociedade ou das nossas instituições, que faz com que o comportamento do presidente pareça aceitável para muitos e, pior, desejável. Dentro dessa visão, alcançar o sucesso econômico parece ser o único dever do Estado, independente de como venha a ser atingido. Por isso que a elite econômica brasileira, ela própria fruto desse autoritarismo, tolera esse governante e suas pretensões. 

O colapso da democracia brasileira, que não acontecerá de um dia para o outro, pode estar mais perto do que parece. E quando chegar, não terá sido por falta de aviso ou de vigilância. É preciso mais para evitar a ruína. 

Arthur Spada

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