Despedidas
Eu nunca devia ter deixado você cruzar aquela porta. Pois foi naquele momento que eu tive certeza que tudo tinha acabado. Nós poderíamos ter feito tanto mais para impedir que aquilo acontecesse. Não fisicamente, ali, na hora.
Mas poderíamos ter escolhido outros caminhos se soubéssemos que aquele momento iria chegar tão rápido. É verdade, toda despedida é sempre uma história de inúmeros senões e a nossa não seria diferente. Agora não adianta mais reclamar. Ainda mais que quando eu tive aquela certeza era só mais uma despedida como a de todas as outras manhãs.
Tchau, tchau, vai com cuidado, hoje eu acho que volto mais cedo, eu vou demorar mais, mas te ligo. O que eu poderia ter dito mais?
Volte, mas venha inteira? Na realidade quem cruzou a porta por último fui eu, olhando para trás apenas de soslaio, pra também não encarar de frente mais essa partida. Com a caixa de livros na mão e água no olho.
Eu lembro da paisagem da sua janela. Aquele morro que era vida e permitia que a gente não pudesse enxergar o lado feio da cidade. Era lindo na chuva e era lindo no sol, de manhã e a tarde. É dessa paisagem que eu nunca me despedi. Talvez se eu tivesse olhado para trás naquele momento e tivesse enxergado o sol escapando por entre os galhos daquela árvore retorcida, que eu nunca soube o nome, eu teria entendido que ainda há vida.
Que nem sempre tudo é tão escuro quanto parece. Mais um senão e mais um aprendizado que não veio na hora que devia. Tudo isso pelo medo de olhar de frente – mas o que eu poderia exigir de mim naquela situação?
Haja hoje para tanto ontem, dizem que disse Leminski.
Pensando bem era impossível que tivéssemos escolhidos outros caminhos que não nos tivessem levado até ali. Eu ainda quero acreditar nisso, mas é só da boca pra fora, porque compreendi não sem muita dificuldade que a sua despedida já tinha sido dada a muito tempo. Por vezes, nós vamos embora sem sair do lugar, apenas contando os minutos para que aquilo acabe.
Do mesmo jeito que é quando estamos fazendo um exame chato, ou numa reunião que nossa presença era dispensável. As vezes nós só queremos sumir dali e não sabemos onde é que fica a saída. E sempre tem alguém que diz “fica mais um pouco” e nós cedemos mesmo que isso doa na gente.
Por isso eu não lhe culpo por aquele tchau que nunca demos, ou o chego mais tarde que nunca veio. A bem da verdade, a gente até tentou. Mas de novo, eu te olhei só pelas costas e não tive coragem de me colocar de frente.
E finalmente entramos naquele para sempre, já que a história não se apaga. Só não fomos mais felizes, juntos.
A boa educação nos ensina a receber e a cumprimentar as pessoas. A fazer com que se sintam em casa, queridos, aconchegados. Mas ninguém nunca diz como deve se por pra fora. Não com violência ou sem cuidado, mas com jeitinho, que já passou do tempo.
Muito menos ninguém ensina como por para fora do coração, o que nasceu para morar ali. Mas mais difícil do que mandar embora é ter que sair. É como tirar de casa um velhinho que viveu a vida toda na mesma freguesia, ou acabar com a mata de um macaquinho selvagem.
Os dois vão definhar, porque foram obrigados a se despedir sem saber como. O coração é a morada do amor, mas será que é a morada do adeus?
Nós vamos ficar assim, sem um final que faça sentido, mais uma dúvida no ar e um projeto inacabado. Deixar ir não é desistir, mas dói tanto quanto. E o que cura, onde é que fica?
Post Scriptum: Esse texto é uma obra de ficção para minha última coluna de 2021, ano de tantas despedidas. Fiquem bem, se permitam, busquem a felicidade e nos vemos em breve. Juízo.
Arthur Spada
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