Coletivo Indra

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Era uma vez uma princesa que existiu

Tati Tibúrcio em cena no espetáculo Salina

“Era uma vez, uma princesa que existiu.

Era uma vez uma princesa que existiu, eu sei porque sou eu, a menina perdida, todos falam de mim porque eu sou criança.

Eu gosto de brincar, cantar e dançar, todos falam de mim porque eu...

Sou bagunceira 

Tururu tururu  tu tu”

Música de Ana Gabriela,  aluna do colégio Pedro IIcampus Engenho Novo 

Na última semana de aula deste ano no Colégio Pedro II, uma aluna teve seu talento exaltado através de uma apresentação das oficinas de música e coral. Ela compôs uma música que ganhou arranjo criado pelos alunos e pelos professores. Eu tive o privilégio de ver um auditório lotado, emocionado, batendo palmas para uma menina negra que de pé, diante da plateia, cantava com seus companheiros de turma entre eles meu filho Joao, que ela era uma PRINCESA.

Imediatamente me lembrei de alguns (muitos rs) anos atrás, com a mesma idade dessa “princesa", do dia que, no colégio de freiras em que eu estudava, a madre superiora entrou na sala e perguntou para turma: “Quem gostaria de ser a Maria na festa de Natal da escola”. Prontamente levantei a mão. E para minha frustração, a Madre disse que eu não poderia. Não entendi porque e me recolhi ao silêncio exigido. No entanto, naquela tarde, fui até o pátio da escola para ver o ensaio. E quando vi quem era a Maria, entendi porque não “podia" ser eu. Essa foi uma lembrança difícil de carregar.

Uma amiga da minha mãe uma vez disse que o que me salvava era o meu orgulho. Ela tinha razão. Porque foi nele que me apoiei durante toda a vida para não permitir que aquele balde de água fria me apagasse e me fizesse acreditar na mentira de que eu não podia, de que eu não era. Dei uma banana grande para o preconceito e ao contrario do que se espera me coloquei grande e forte diante da opressão. 

Hoje, muito distante daquela menina que fui no fundamental, eu vejo uma menina como eu vivendo uma experiência oposta numa situação similar. Vi a menina-negra-princesa SIM! Afirmando isso e  tendo a sua afirmação reconhecida por todo o coletivo escolar. 

Naquele momento,  percebi que valeu a pena o meu e o orgulho de tantos e tantas outras como eu, que encararam a cara feia do racismo de frente! Nossos passos de resistência criaram outros caminhos que foram trilhados por irmãos e aliados de batalha na construção de um mundo onde as MARIAS e PRINCESAS podem sim ter a nossa face preta e ser aplaudida por isso. Parafraseando o pastor Martin Luther King  “Eu tive um sonho!” e naquele dia eu vi esse sonho se tornar realidade.

É preciso ter coragem pra fazer a diferença. Mas é preciso ter mais coragem ainda para acreditar nela. Parabéns aos professores de música da unidade do PEDRO II do Engenho Novo por fazerem a diferença. E principalmente obrigada a aluna Ana Gabriela por acreditar e me ajudar a continuar acreditando.

Hoje eu peço a Ana Gabriela para fazer minha a lembrança dela: um dia com 10 anos a minha professora me levou a beira do palco da escola e me apresentou para escola como compositora da música da festa de fim de ano. Todos os alunos cantaram e tocaram a minha música.... E me aplaudiram de pé porque eu sou uma PRINCESA...NEGRA!

Tati Tibúrcio

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