Coletivo Indra

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"Escurecendo as sororidades"

Foto: Silas Lima

A coluna dessa semana parte de um questionamento: que tipo de sororidade é a sua: real, virtual ou inexistente?

Há uma ou duas semanas atrás, fiz um show incrível em Porto Alegre intitulado: “Mulheres do samba”. É uma tentativa de dar ve(o)z, as mulheres intérpretes ou compositoras. Logo, e graças a deusa, a maior parte do público é de mulheres. Nessa altura da leitura vocês devem estar pensando: “lá vem ela falar sobre algo machista!”- E eu respondo: sim e não.

Entenda o caso:

Estava eu já com o show finalizado, recebendo abraços e beijos da platéia, tirando fotos (sim eu faço a diva acessível, diga-se, adorei esse termo dado por uma seguidora), quando se aproxima uma moça, que aliás aniversariava naquela noite. Entre muitos elogios, ela confessou ter escolhida aquela noite para comemoração, por saber que eu estaria lá. Aí veio a frase: “nossa, tu é incrível, se eu pudesse eu trocaria minha vagina (usou um outro termo com a letra B), pela tua voz”!! Fiquei tão chocada com aquilo que respondi: -“seria uma troca muito injusta”, - disse a ela sorrindo incrédula, que lógico, não percebeu a minha acidez e saiu, também sorridente.

Não há uma competição entre mulheres trans e não trans pra saber quem tem mais valor. Também não há um descontentamento, inveja, ou cobiça das mulheres trans pelo órgão genital das mulheres não trans. Entendam: mulheres trans não nasceram em corpos errados! E muitas de nós (incluo-me) é bem feliz com o corpo e genital que tem. Em oposição, há de se lembrar também, de muitas de nós, que tem grande disforia e não aceita a genitália. Isso não tem ligação com a cirurgia de redesignação genital, porque pra algumas a cirurgia é uma correção ,pra outras não.

Colocar as palavras: “MULHER" E "VAGINA" na mesma sentença é super natural e milenar, mas de certa forma nos coloca (nós trans) de lado, numa categoria inexistente. E olha que falando em vagina, eu nem falei nos homens trans. Isso não é silenciar, ou oprimir mulheres não trans ,é quer estar junto, fazer parte de um todo, afinal somos mulheres.

QUE FIQUE ESCURO AQUI: NÃO QUERO QUE NINGUÉM SE SINTA OPRIMIDA, SILENCIADA OU ALGO DO TIPO POR ESSAS PALAVRAS.

Afinal, vocês em sua maioria, aqui nessa seara de leitorxs, tem vagina, e eu, e muitas como eu, não tem e está tudo bem! Somos de anatomias diferentes e não estamos competindo entre nós, apesar de ser isso o que muitos querem. Nós trans, não somos umas coitadas “desvaginadas”, ou umas (in)felizes “penizudas”, essa é só uma parte da nossa anatomia e não da nossa personalidade ou índole.

Sei que parece muito difícil de entender e processar muitas coisas desse assunto, assim de pronto, e que ainda temos muito que falar e aprender, incluindo ai nesse processo o movimento LGBTQIA+, e pra isso que eu pergunto: 

Sua sororidade é real, do tipo que quer saber, tem paciência pra ouvir, aprender e aplicar tudo?

Ela é virtual, ou seja facebookena, instragramizada, twiterística, ou googlemica?

Ou inexistente, do tipo que não sabe, não quer saber e tem pavor de quem fala disso?

Não caia na armadilha do tradicional. A tradição diz que pessoas trans, são aberrações, seres de outro mundo, que não temos família, e uma série de outras coisas que prefiro nem citar aqui. É preciso entender, saber, sentir e sim se colocar no lugar de quem fala só uns segundinhos que seja. A sua sororidade pode estar errada e você nem percebeu. Fique atentx as informações, você pode não estar erradx ,só desatentx em alguns pontos. Nos ame não esquecendo que somos plurais e trans sim, mas não leve o prefixo/sufixo trans como parte de nossos currículos. A gente sabe o que é, o que quer, o que tem e o que não tem, e você será que você sabe disso? 

Tenhamos sororidade as mulheres trans que não tem vagina, e as mulheres trans que tem vagina, e as todas as outras pessoas. (digo pessoas porque existem homens com vagina).

Nós mulheres trans sonhamos com problemas de todo mundo. Só queremos isso, e queremos que o mundo pare de nos bombardear com essas questões de gênero e sexualidade. Gente de gente descontruída, queremos poder construir algo, juntxs!

Deixo como reflexão, mais perguntas:

Quantas mulheres trans vocês conhecem, mesmo?

Quantas vocês convivem?

Quantas v vocês abraçam? Beijam?

Quantas vocês confidenciam coisas?

Quantas você já fez uma festa surpresa?

Saiu pra jantar ?

Tomou um porre? 

Ligou bebadx na madrugada? 

É isso que a gente quer.. ser só mais uma..com vagina..ou não..

Valéria Barcellos

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