Coletivo Indra

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Esperando frustrot

Um homem cochila sentado numa cadeira. Minutos depois, ele desperta assustado. Olha para os lados. Levanta, vai em direção a uma porta imaginária. Abre-a vagarosamente, na cautela de quem não sabe o que pode encontrar do outro lado e coloca a cabeça para o lado de fora. Nada vê.

Retorna a sua posição inicial, dessa vez em estado de alerta. Tira o celular do bolso como se esperasse alguma mensagem, um sinal, uma notificação. Nada vê. Olha as horas no relógio de pulso. Passa as mãos nos cabelos, recosta na cadeira, coloca a perna esquerda sob a direita.

Pega a garrafinha de água, já pela metade, no chão ao lado da cadeira e vira num só gole. Descruza as pernas, se ergue para frente apoiando os cotovelos nos seus respectivos joelhos. Olha para os lados com aflição. Levanta abruptamente, tira o maço de cigarros do bolso e acende um com o isqueiro que lembra ter guardado no bolso frontal da camisa. Dá três tragadas.

O telefone toca. Ele se assusta e atende ao final do primeiro toque:

-        Achei que fosse a ligação que espero há anos com a oportunidade de emprego dos meus sonhos (colocando o aparelho no bolso).

Era telemarketing. Vendendo coisas. Quando não é pra vender é pra cobrar, pra pregar… Gran Bell do caralho!

Um som de crianças conversando, gargalhando, se pirraçando entre si aumenta pelo ambiente.

-  Meus filhos. Depois de eu levar e pegá-los por anos na escola, agora já conhecem o caminho. Eles crescem, precisam andar sozinhos, sem dar as mãos a ninguém.

Achei que fossem eles... Ainda não chegou o momento de ser pai. É preciso esperar mais um pouco. Pra quem já esperou tanto, o que é esperar mais um pouquinho, né? Sábios os que sabem esperar. Jó já dizia. Não. Jó é paciência... Eu sempre confundo os nomes. Mas o que vale é entender a mensagem. Sem falar que paciência e espera são palavras homônimas.

A espera do paciente. O paciente da espera. E quando vira patologia? (o semblante congela e ele pensa)    

Toca a música “Esperando Aviões” de Vander Lee em ritmo de marcha nupcial.

-  Quero muito pedi-lo em casamento. Mas ainda não é o momento. Precisamos ir com calma. Tem a família dele, a minha família... É muita gente envolvida. Preciso ir com calma pra não chocar ninguém, pra não ultrapassar a fronteira da normalidade que insiste em balizar nossos desejos, nossos sentimentos.

Casamento é coisa séria. E no promíscuo universo gay (pausa) é assim que eles nos enxergam, como reflexo de vossa hipocrisia heteronormativa, é preciso azeitar a relação, fortalecer os laços, saber se realmente é isso que se quer.

O casamento gay é uma conquista que virou lei, e que precisa ser conquistada para além da esfera jurídica, civil. Precisamos sublimar a desconfiança das pessoas físicas que nos cercam, da família que nos legitima. Calma! A hora certa tá chegando. Sinto a estrela anunciar sua chegada. Em breve!

Na vida “normal” que me ensinaram tem trabalho, dinheiro, família (homem e mulher), filhos (muitos) e... Casa própria. Comecei a pensar em ter a minha tardiamente. Tinha muita coisa na frente. Não queria sair desesperado para ter e não podia ser qualquer casa. Eu tinha que planejar e aguardar o melhor momento.

Quando a oportunidade aparecesse eu ia lá e agarrava-a. Não perderia o bonde.

Barulho crescente de motor de carro. Eu sonhava mesmo era com ele. Posso sentí-lo se aproximar. O cheiro do carburador... delícia de aroma. Eu sempre esperei pelo momento de crescer, aprender a dirigir e ter um carro para chamar de meu. De preferência 0 km. Faz parte do combo.    

É uma espera incessante, silenciosa, solitária. A hora certa para arriscar, para fazer aquilo que realmente amamos. O que eu gosto, o que me excita, o que me provoca, o que me sacia, o que me desloca. Dois atos da vida. A Espera e A Espera.

O nome da minha terapeuta é Gal. Toda vez que chego em casa depois de uma sessão, fico horas sentado num mesmo lugar esperando uma pessoa, mas sempre vem outra. A sensação é de estar num palco de teatro, diante uma plateia vazia. Mas eu me sinto observado a todo o momento.

Todos os olhos mirados em mim como uma adaga afiada e lustrosa prestes a me atingir em cheio após qualquer passo em falso, uma precipitação irracional. Às vezes Gal arranhava no diagnóstico que ela queria me traduzir.

A vitrola toca com um lp de Gal ao lado.

Sessão Fa-tal. 

Felipe Ferreira

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