Coletivo Indra

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Essa palavra presa na garganta

Pintura de Álvaro Cunhal

Há certas palavras que não podem mais ser ditas. Ou que não querem que sejam pronunciadas. Há determinadas pessoas ou grupos que se incomodam quando se faz determinada referência a outra(s) pessoa(s) de determinada(s) maneira(s). É preciso ter cuidado, ainda, para não se perder o sentido das coisas. Nessa confusão de informações e de jogos de palavras e de histórias.

É onde o vídeo, o som ou a foto não são suficientes para convencer alguns da existência de um determinado fato. Ou mesmo que se reconheça existirem as provas, os fatos não serão na verdade aqueles. Me mostre o vídeo ou o áudio, que eu lhe distorço a realidade mais uma vez.

E por trás disso prossegue a catástrofe desse mundo que erigimos. Construído sobre a ilusão de que é assim que a vida deve funcionar e nós nos relacionarmos, naturalizando invenções que permitem a continuidade desse indefinido jogo perverso de destruição, caos e morte.

Ah! as constituições, leis e códigos. Ah! as instituições! A economia! Ah! O povo!

O que é povo? Quando cercaram um bando de gente que não tinha a menor chance de viver em grupo e disseram: eis aqui um povo. Eis aqui uma nação? Por quê?

Pertencer-se com aqueles com os quais não se pertence, escreve Sloterdijk.

E assim, em nome de ilusões, nos matamos. Encaminhando-nos voluntariamente para o corredor da morte, que assume formas contemporâneas variadas, tais como a do vagão de trem ou de sala cheia fechada. Essa morte que, frisa-se, não é metafórica.

A catástrofe prossegue sem que possamos pensar em um outro mundo possível.

Por trás de não podermos dizer certas coisas, não está apenas a violência mais imediata daquele que diz se sentir ofendido ao ouvir uma verdade. Mas sim a intenção de que, ao permanecermos restritos ao convívio do ilusório, sem nos defrontarmos abertamente com as coisas como são, não tenhamos espaço para buscarmos um outro mundo. Pois somente é possível transformar a realidade quando temos a capacidade de compreendê-la corretamente.

Há algo maior em jogo quando se pretende impedir a fala ou a ideia. A música ou o teatro. Ou quando deliberadamente se nega a realidade objetiva.

Porque deve haver alguma coisa para além disso. Talvez exista uma oportunidade de convivermos em harmonia entre nós e o ambiente que nos cerca. Sem que nos destruamos mutuamente. E vislumbrar esse mundo ou agir em prol dele nos é tolhido quando não querem que enxerguemos a verdade.

Mesmo que iremos todos – vencedores e vencidos, tiranos ou vassalos - para o abismo se assim permanecermos.

Talvez exista uma forma de vida na qual esse pertencimento se faça verdadeiro e não seja meramente formal, ou arbitrário. Onde não sejamos submetidos a uma farsa e todos possamos desfrutar de nossas plenas potencialidades. Não há vitória para ninguém onde não se pode enxergar a realidade e experimentá-la verdadeiramente. Sobreviveremos?

Arthur Spada

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