Eu não sou uma pessoa boa!
E aí foliões, como passaram o carnaval?!
No post passado trouxe a reflexão daquilo que nos separa, a mente discriminativa e dualista. E o que nos une? Nós recitamos muito a frase Namu Amida Butsu. Para nós, esta é a mente que nos une. Vou tentar explicar em breves palavras.
Sem demoras, no budismo Terra Pura, Amida é o Dharma (Doutrina, Vida, Lei, Verdade) personificado, é a representação da Luz e Vida Imensuráveis, da Sabedoria e da Compaixão. Namu significa reverenciar, saudar, se refugiar, recordar e vem do mesmo radical Namas, de Namastê. Amida Butsu é o Buda Amida (ou Amitabha aos versados em budismo tibetano). Recordar a Luz e Vida Imensuráveis é lembrar que nada está separado, todos somos e estamos no mesmo fluxo, como uma correnteza neste oceano. Namu também pode ser entendido como uma motivação, podemos ler como "siga em direção à Luz e Vida Imensurável que vive você neste momento!"
Você já ouviu falar em Natureza Buda? Talvez em algum texto do budismo Zen. Natureza é a origem daquilo que você é. Eu sou natural de Santos, por exemplo. Poderia dizer, então, que natureza Buda é a origem da nossa iluminação, a qual todos os seres têm em potencial, plantada como uma semente (na linguagem budista, dizemos Voto Original, Hongan, jap.) por um Buda. Eu brinco que fomos chipados com essa Natureza Iluminada lá num passado imemorial e não sabemos. Há ainda uma parábola onde o Buda nos assemelha a um mendigo vestindo um casaco carregando um diamante no bolso sem saber. Recitar o Nome do Buda é recitar essa Natureza Buda.
Vamos pensar de outra forma. Quando você vai do McDonalds, você não descreve dois hambúrgueres alface queijo molho especial cebola picles num pão com gergelim. Você diz, Big Mac. Recitar o Namu Amida Butsu é algo parecido - de todo o Dharma imensurável eu apenas recito seu Nome, e confio, me deixo guiar, sigo em direção. A escola Terra Pura traz uma leitura poética às pessoas simples e incapazes de práticas árduas pudessem compreender melhor o Dharma. É o Caminho Fácil, temos de pensar nas práticas ascéticas desde a época de Sidarta. Digamos que ele quis fazer um conto mais fácil sem erudições e complexos debates filosóficos.
E essa origem, como um princípio inspirador humano em sair dos tormentos, a busca pela paz e alegria, a percepção de ser finito, é um chamado. O Infinito chamando o Finito. É da natureza do Infinito acolher o finito, o Infinito está liberto de qualquer limitação, o finito não, mas ele nos inspira a despertar a um profundo questionamento sobre a superficialidade da vida mundana. É um caminho da introspecção. “Transcender a condição humana é saber-se incapaz de realizar qualquer prática”, diz Shinran (Tannishô).
Logo, apenas a Iluminação, que não é nossa assim como a própria vida, nos faz ter a possibilidade de transcender essa mente inquieta, discriminativa. Quem proporciona essa Natureza Buda é o Buda, não o meu eu pretensioso e egoísta. Eu sou incapaz. A isso chamamos de Outro Poder (Tariki), o Poder do Outro porque não é nosso! Começa com nosso ensejo, um Próprio Poder (Jiriki), por nossas dores físicas ou emocionais.
E em seguida, olhamos para nós mesmos pela ótica daquilo que está fora de nós. Você já fez esse caminho inverso de olhar? Sempre temos nosso olhar para o outro, e do outro para nós? Nos meses de março e setembro celebrando um rito chamado Ohigan, Travessia para Outra Margem, o qual já postei anteriormente, é atravessar para Outra Margem e olhar para cá.
Recitar o nome do Buda, ou seja, Namu Amida Butsu, é o desmascarar da ignorância humana, decepar as mãos do egoísmo, da dualidade. Quando nos elucidamos, nos conscientizamos das nossas limitações, egoísmos, iras, paramos de julgar, de discriminar. Apenas ao clarear um quarto podemos ver os móveis à noite. A elucidação desfaz o nó da discriminação em nossas mentes. Não somos uma boa pessoa, assim como Shakyamuni, o teor de sua iluminação reside nessa constatação de despertar que em sua mente pairava toda sorte de malignidade dos desejos e apegos, de uma dualidade que causava desequilibrio.
Ao refletir que todos os seres são permeados por essa natureza, feito de um Voto desejoso pelo Buda, esse diamante no meu bolso, percebo que o Infinito se manifesta no Finito. E isso guilhotina toda ideia de uma mente separada (em termos sociais preconceito, racismo, misoginia, homofobia). A vida é uma manifestação da Vida, neste imensurável fluxo.
O Namu Amida Butsu é o elo à nossa própria história com o Buda, com nossa Natureza Iluminada. Apenas lembre dele. Se quiser, apenas recite seu Nome e desperte!
Namu Amida Butsu, Namu Amida Butsu!
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Rev. Jean Tetsuji 釋哲慈
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Templo Nambei Honganji Brasil Betsuin
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JEAN TETSUJI, COLUNISTASFEBRUARY 25, 2020