Feliz 2586! Feliz 2020!
Feliz 2586! Feliz 2020!
Pronto, foi-se 2019! Que aninho, hein! Mas do lodo brotam as lindas flores de lótus, das experiências amargas vivemos a vida em sua totalidade. Assim ela é, plena.
E como será sua virada? Roupas, flores, sete pulinhos nas ondas. Por doutrina o budismo não tem nada de supersticioso. Superstições são fantasias e frutos dos nossos medos e anseios, nasce em uma linguagem própria de cultura a cultura, se modificando pelo tempo, por nossas inquietudes e anseios. Para ser supersticioso basta ser humano. A arara, a jaguatirica e o jacaré do Pantanal nem sonham isso. Teriam eles alguma superstição?
De toda forma, muitos budistas por influências sobretudo do taoismo, se apropriaram das buscas de garantir a boa fortuna e sorte. No budismo usamos a expressão Upaya (jap. Hoben), Hábeis Meios Salvíficos, para tudo aquilo que serve como mecanismo de nos levar à iluminação e sair do sofrimento. As superstições não entram nesse mecanismo, pois o intuito é mundano e aprisionador, mas podemos, de repente, adaptar essas pequenas peripécias espirituais como meios de despertar em nós a esperança, a confiança, a fé, o amo, a alegria. Vou contar algumas curiosidades que sei da cultura japonesa.
Na tradição de ano novo o kagamimochi é um tipo de bolo formado por dois mochi (doces de arroz), empilhados com uma laranja chamada daidai, e é ofertado em um local especial da casa. Assim, a primeira refeição do ano chamado osechi ryori, uma caixa com diversos tipos de conservas cada um com significado diferente. Outra história curiosa é comer soba (macarrão de sarraceno) na passagem do ano, é uma cultura popular: dizem os antigos para que os momentos difíceis sejam breves e quebradiços, assim como a característica desse macarrão. E comer udon (macarrão de arroz), que os momentos felizes sejam gordos e duradouros, assim como é a característica desse macarrão.
Escrevi no ano passado, mas como é uma prática grandiosa nossa, vou repostar. Todo ano nos templos budistas os japoneses tocam o Bonsho (sino grande) 108 vezes que se referem às 108 paixões mundanas. Vivemos em 108 desejos, e a conta se faz a começar pelos seis sentidos - visão, audição, olfato, paladar, tato e consciência (o budismo considera a consciência como um sentido) impactados por três reações - positiva, negativa ou indiferente - que resulta um total de 18 desejos. Cada um desses desejos pode estar ligado ou separado do prazer, portanto multiplica-se por dois, dando um total de 36 desejo. Cada um desses desejos pode se manifestar no passado, presente ou futuro, portanto multiplica-se 36 por três, dando como resultado 108. Este é o número de 108 conta nos rosários (sânsc. japamala, jap. nenju) dos monges. Os rosários menores dos leigos praticantes é uma simplificação, normalmente dividida por três. Indianos são mesmo muito metafísicos e cheios de alegorias místicas.
Em português a palavra "desejo" tem sempre uma conotação negativa. Em sânscrito é Trishna, e podemos traduzir como "sêde" e diz respeito à insaciabilidade dos desejos humanos, insaciabilidade esta que é o motivo principal do sofrimento humano. Já o que seria para nós o desejo positivo, seria a "Aspiração" ou "fazer o voto de". Na visão budista se temos o "desejo" de ajudar as pessoas, nós nos frustraremos e sofreremos, pois não conseguiremos ajudar a todos e nem mesmo alguns de maneira completa, mas podemos aspirar e fazer votos de ajudar, na medida do possível o maior número de pessoas possíveis, explica Rev. Wagner Hakushin, missionário do templo budista de Apucarana, no Paraná. O Buda não liga se você for supersticioso, mas ele apenas adverte para não se cairmos no turbilhão dos seus e apegos desenfreados.
Raro é extirpamos as paixões mundanas nesta forma humana, são como ervas daninhas, sempre brotam novamente, mas podemos capinar sempre com a mente da atenção plena e cultivar uma mente mais tranquila e serena sem se subjugar aos impulsos mundanos que nos levam ao sofrimento. Entenda que isso não é um dogma, mas uma prática que responde as nossas inquietudes. Estar desatento não resulta em pecado ou castigo divino, mas nos faz ignorar a causa dos fenômenos e os sofrimentos resultantes.
Somos brasileiros, ah, e esse caldeirão de culturas tagarelando, tomando cerveja e suco de cajá, comendo churrasco gaúcho e sarapatel, levando um patoá no pescoço e um terço na mão, um Buda ao lado de Iemanjá, quem não faz sua própria fezinha?! Vai explicar tudo isso a um católico ucraniano ou presbítero irlandês esse balaio de fés. A religião nem sempre consegue (nem pode) ser controladora da fé, é algo pessoal, intransferível.
Logo começa a contagem regressiva para um novo ano! Obrigado a todos vocês pela leitura e carinho. Se alguma frase, apenas palavra, tiver modificado seu dia, me darei por satisfeito! Cada encontro, uma oportunidade! Ichigô, Ichiê.
Quer impressionar seus amigos japoneses?
Bom fim de ano (antes da virada)
Yoi otoshiô
良いお年を
Feliz Ano Novo (após a virada)
Akemashite Omedeto gozaimasu
あけましておめでとう ございます
Feliz 2586! Feliz 2020!
PS: Ah, esse é o ano de nascimento de Buda Shakyamuni nasceu, então Feliz 2020!
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Rev. Jean Tetsuji釋哲慈
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