Coletivo Indra

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Lhe direi boa noite até que seja dia!

Arquivo pessoal

“Dizer adeus é sempre muito difícil” !

A gente sempre escuta essa frase, mas só compreende de fato quando precisa dizer. Hoje precisei dizer adeus e ainda não consigo explicar o quão difícil foi e está sendo. É verdade que ela já tinha 98 anos. É verdade que eu sabia quando sai daquele hospital, naquela tarde de quarta-feira, depois de ter dito para ela o quanto eu a amava e de ter me atido por um instante no corredor do hospital, para dar uma última olhada para ela por uma fresta de porta que se abriu que, provavelmente, aquela seria a última vez que a veria. Eu sabia de tudo isso, mas quando chega uma mensagem no telefone pela manhã e você ouve o áudio que sabia que receberia, percebe que:

UMA COISA É SABER QUE ALGO PODE ACONTECER, OUTRA COISA BEM DIFERENTE, É ESTAR DIANTE DO FATO INEXORÁVEL. 

Sim, ela se foi... e enquanto muitos choram a perda da Grande Dama (que ela realmente foi), eu choro a perda da amiga, da mentora, da mãezinha. Choro a perda da amiga que me deu de presente de casamento o vestido de noiva. Choro a perda da mãe que me deitou no colo quando estava aos prantos pelo fim do mesmo casamento. Choro pela parceira de trabalho que me lembrava antes do “gravando” que um olhar carregado da intenção correta valia mais que mil palavras. Choro pela referência maior que ontem ocupava, junto com Ilea Ferraz, um espaço na porta do armário da adolescente que eu era sonhando em um dia, quem sabe, ser uma atriz como elas, e que pelos caminhos surpreendentes da vida foi parar no sofá da casa de minha referência, com a mesma deitada em meu colo enquanto lhe tirava com pinça os insistentes pelinhos que teimavam em crescer no seu queixo. E sorria em silêncio me sentindo privilegiada.

Choro pela amiga que esteve presente nos momentos mais importantes da minha vida desde que nos conhecemos, como no chá de bebê do meu filho ou no lançamento do meu filme. Sempre presente. Incentivando, acolhendo, consolando, dando bronca por estar usando jeans (que ela dizia ser uniforme de trabalho), sorrindo, dizendo que a gente sempre tinha que ter um terninho preto no armário para ocasiões formais, sorrindo, contando histórias, dizendo que a gente tinha que dizer “alface!” para tirar foto porque assim sairíamos sorrindo, e todo mundo gritava “Alface” bem alto para tirar foto como ela. Lamentando algumas coisas, separando reportagens, livros ou revistas com reportagens que achava que podiam me interessar ou que simplesmente a fizeram lembrar de mim, e novamente sorrindo... sorrindo... sorrindo... 

Um sorriso terno, doce, leve, carregado de força e esperança e um cadinho de tristeza também porque nem tudo são flores e a gente sabe que toda trajetória tem os seus espinhos.

Choro por aquela que mesmo no último encontro, naquele quarto de hospital, respirando com dificuldade ainda encontrou forças para me elogiar dizendo “gostei do cabelinho” diante de meu novo corte de cabelo. No que lhe respondi que a amava...

Sei que ainda vou chorar por algum tempo até que as lágrimas se tornem saudade. Sei que vou para sempre sentir falta daquele olhar e das tardes vendo tv e conversando no sofá verde da sala. Eu sei ...mas também sei que a vida é só uma passagem. Um sopro. Um instante... que ela viveu um monte! E com lucidez e consciência.

Um amigo muito querido me disse essa manhã que ela se foi como um apagar de uma vela quando chega no fim. Suave, delicada e elegante como ela sabia ser. 

Fica a saudade pela intimidade e a admiração pela Grande Dama das Artes. E assim a vida segue... queimando constante e brilhante como uma vela com sua chama acesa, viva, até o fim... e assim, parafraseando o poeta

“Toda despedida é dor...tão doce, todavia, que lhe direi boa noite até que seja dia” 

Até breve minha Ruth!

Tati Tiburcio

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