Coletivo Indra

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Longe de casa e feliz!

Elielma Silva

Quando a gente aprende na escola o inglês, despertam o sonho em alguns desbravadores, o desejo de um dia viajar, conhecer e morar em outro país. O país as vezes não importa, o que importa é o sonho, de mochila nas costas e uma aventura de conhecimento. Muita gente idealiza esse sonho, trabalhar e estudar fora e juntar dinheiro. Uns mais preparados, outros tentam a sorte despreparados mesmos.

No meu caso, eu não sabia nem falar português direito, dinheiro? Nenhum. Tinha uma oportunidade. Agarrei nela e hoje moro há 10 anos na França, vim para cá por força das circunstâncias. Neste tempo aqui vivi muita coisa, conheci muita gente e aprendi uma nova língua que sei falar corretamente. Quer dizer, dizem que eu falo. Não tive oportunidade de estudar, aprendi porque precisei. A necessidade faz a ação.

Se perguntar para uma pessoa, qual a primeira maior dificuldade quando se chega em outro país, ela responderá: o idioma! No meu caso o francês. O primeiro ano é punk! Deixar a família no Brasil, conseguir sobreviver um ano, começar a se adaptar. Eu conheço história de gente que veio só pra juntar grana, gente que casou e veio juntar-se ao marido, gente que veio tentar, tem de tudo um pouco. Conheço brasileiros que vivem aqui há mais de 25 anos. Pessoas diferentes com a mesma coisa em comum: saudade de "casa". Quando me perguntam se sinto saudades? Sim! Da família, comida, amigos, o calor ou a liberdade de sair, ir e vir.

Aqui fora é tudo diferente! Os costumes, o modo de vida diferente do nosso, religiões, cidadania, tudo diferente. Porque aqui na França você liga pra marca tudo! Você não pode chegar sem avisar na casa de ninguém, nem da mãe! Tem que dar 2, 3, 4 beijinhos no rosto dependendo onde você está, se no norte, sul, centro, oeste, ou nordeste do país. Homens, mulheres, crianças, todo mundo beija todo mundo! Mas você só beija quem você conhece, na chegada e na partida, seja em casa ou no restaurante. Eita povo pra gostar de beijos! Aperto de mão só para quem você não conhece ou não tem intimidade.

Uma curiosidade que tinha quando vim pra cá e você deve ter também, se eles tomam banho! SIM. Durante a guerra existiu muito racionamento e isso influenciou o comportamento de gerações. Mais hoje não é bem assim, e eu conheço um monte de francês que são maníacos com banho e higiene.

Se eu gostaria de volta para o Brasil hoje? Não! Nenhuma vontade. Não sinto arrependimento de ter me lançado nesta oportunidade há dez anos atras, hoje entendo que foi o meu grito de liberdade! A França me acolheu, gosto porque aqui as coisas funcionam bem, mais que no Brasil. Mesmo correndo o risco de ser discriminada, mas o cidadão aqui pensa duas vezes pois tem medo de ir para a cadeia. Mesmo sendo estrangeira, eu sinto que aqui há uma busca pela equanimidade, por exemplo, o fato de ter escola pública de qualidade para todos. O mesmo acontece com a valorização da cultura. Uma vez por mês, monumentos importantes são abertos ao público, escolas visitam teatros, museus, cinemas e existe uma tarifa jovem de incentivo as artes. Incentivam a todos os jovens conhecerem a história do seu país através da arte e cultura.

Quem tem dinheiro na França? Quem trabalhou a vida toda, ou seja os idosos. Eles que podem comprar o carros do ano, já o jovem tira sua habilitação para herdar o carro velho da vovó. Poucos são os que ganham carro novo de presente, um hábito no Brasil nas famílias de classe média. Aqui não tem obrigação de votar, também não paga multa alguma. Sua prática religiosa é livre. Mas eles entende que a religião é algo singular e individual, por isso não usam adereços religiosos nas ruas, só por dentro da roupa. Aqui eles entendem que cada coisa é no seu lugar, no congresso os políticos, nas igrejas os fiéis.

Aqui na França tem gente que acha que o Brasil se resume a Rio de Janeiro, São Paulo, carnaval praia e festas.. que no Brasil tudo pode porque não tem leis. Para outros a dificuldade é aceitar o quanto esses dois países são tão diferentes, mas são racistas e homofóbicos. Há os que tem medo de conhecer o Brasil, tem os que amam nossas variações de cor e credo.

Eu amo mora aqui, eu amo a França! Eu trabalho de diarista e a minha filha frequenta a mesma escola de ballet que a filha da minha patroa, eles não fazem diferença. Mesmo eu ganhando pouco, consigo dar para a minha filha qualidade de vida, educação, saúde e segurança. Tudo que eu, uma mulher nordestina de família humilde, mãe solteira, jamais conseguiria proporcioná-la morando no Brasil. Venho tentando construir nossos caminhos aqui, ser o mais honesta possível com a minha filha, com meus sentimentos. Levei 6 anos para me instalar, conquistas meu canto depois de recomeçar do zero. Levei todo esse tempo para aceitar que realmente estava tudo certo e que eu já podia sossegar!

Elielma Silva

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Leitora e comentarista diária do Coletivo Indra e nós a convidamos a escrever, pois queríamos saber um pouco mais da sua história!