Coletivo Indra

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Lorena Muniz, presente!

Lorena Muniz, jovem de 25 anos, vinda de Recife (PE), chegou na última semana em São Paulo para realizar o seu sonho (após muita luta e sacrifício) de colocar silicone em seus seios!

Lorena era travesti e encontrou a oportunidade de fazer a cirurgia com um médico já conhecido e indicado por outras mulheres transexuais e travestis.

Apesar de não ser considerado um procedimento simplesmente estético no âmbito do processo transexualizador oferecido pelo SUS, as pessoas trans ainda encontram muita dificuldade para concretizar adequações corporais para aceitação social (voltamos a falar sobre isso depois), seja porque a fila das cirurgias é gigante, seja pelo fato de que os procedimentos cirúrgicos mais complexos estão concentrados em poucos hospitais do país.

Por conta dessa dificuldade, Lorena, como milhares de outras mulheres trans e travestis, se submeteu a uma clínica particular que lhe ofereceu um “bom orçamento”...

Logo após a sedação, ocorreu uma pane elétrica, dando início a um grande incêndio no local. Todas as pessoas que estavam na clínica – clientes e funcionários - saíram para a rua, sendo Lorena deixada para trás, sedada, em meio ao fogo e fumaça.

Algum tempo depois, com a chegada do Corpo de Bombeiros, Lorena foi socorrida e levada ao Hospital das Clínicas, onde foi internada em estado gravíssimo.

Na manhã deste domingo (21), Lorena nos deixou...

Esse caso abominável nos revela MUITA coisa!

Antes de tratar da escancarada transfobia institucional, eu peço licença para revisitar o conceito de “necropolítica” de Achille Mbembe, que entende a morte como uma questão política e decorrente da relação social entre grupos dominantes e subalternizados. Assim como a população negra, as dissidências sexuais e de gênero são considerados excessos, externos às estruturas sociais, e por isso sua exclusão, vulnerabilização e morte são lidas como naturais.

Nesta linha, a cis-heteronormatividade branca é quem escolhe as vidas que devem ser protegidas e aquelas que podem ser descartadas, ou seja, quais não têm valor ou importância.

A “necropolítica” nada mais é do que a destruição destes corpos descartáveis e sem importância social – o que pode se dar pela morte, pela exclusão social, por meio de comportamentos transfóbicos.

Ou seja, além de a população trans estar em um local de extrema exposição e alçar recordes nas estatísticas mundiais de assassinatos (Dossiê), a sua história, o seu nome e a sua identidade são sistematicamente questionados ou negados, seja por seus familiares, seja pela mídia.

Esse poder (ou “necropoder”) se utiliza de seus próprios interesses políticos, religiosos e econômicos para criar e impor regras de comportamento e identidades, obrigando as pessoas a cumprirem com as expectativas e padrões estéticos da cis-heteronormatividade.

O caso da Lorena traz à tona as diversas facetas dessa violência:

Em primeiro lugar, como já adiantei no início do texto, a cirurgia para colocação de prótese de silicone é um dos procedimentos garantidos no âmbito do processo transexualizador do SUS. Acontece que o atendimento, apesar de instituído em 2008, ainda se reduz a uma centralizada rede. Isso causa necessidade de deslocamento das pessoas interessadas e também gera uma necessidade de procura de serviços alternativos.

Entramos no segundo problema, que é a “necessidade” de adequação corporal das pessoas trans em busca de aceitação social. A busca por procedimentos estéticos revela que para uma mulher trans ser lida como mulher, pela sociedade, ela PRECISA performar padrões “femininos”.

A conversa não é sobre “reforçar padrões de gênero”, mas sobre a leitura social que é feita sobre as pessoas, o que é produzido de acordo com a cis-heteronormatividade.

É sobre sentimento de pertencimento, é sobre aceitação, é sobre ter seu nome social respeitado e conseguir utilizar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero.

Essa conversa também não exclui pessoas que fogem dessa postura, negando e procurando quebrar os estereótipos de gênero já hegemônicos na sociedade.

Ou seja, podemos criticar e pregar a quebra social com o binarismo de gênero tal como imposto – mas não podemos desconsiderar a posição e necessidade de diversas pessoas trans em reivindicar os estereótipos e reafirma-los, uma vez que é através dessa leitura que elas terão uma aceitação melhor na sociedade em relação ao gênero ao qual se identificam.

Não estamos falando de procedimentos meramente estéticos, mas da necessidade de diversas pessoas trans e travestis em se enxergarem no corpo de suas identidades.

Passo para o que eu identifico como um terceiro grande problema, que é a vulnerabilidade social e econômica da população trans, em razão de diversas violências enfrentadas – expulsão de casa, rejeição da família, discriminação na escola, discriminação no trabalho, dificuldade em acessar empregos formais, e por aí vai.

Essa situação, aliada aos entraves e dificuldades para o amplo acesso à saúde por meio do sistema público, obriga muitas pessoas a procurarem tratamentos e procedimentos particulares, e mais do que isso, em estabelecimentos com valores mais acessíveis, estrutura precária e sem fiscalização dos órgãos competentes.

O caso de Lorena não foi “isolado”. São muitas as mulheres trans e travestis que se submetem a clínicas que atraem essa população pela acessibilidade financeira e prontidão do atendimento.

Lorena foi abandonada sedada, Lorena foi deixada para trás, Lorena foi deixada para morrer – afinal, o seu corpo e sua história não importam – pois os corpos trans e travestis são esquecidos, invisibilizados e matáveis!

Lorena queria apenas realizar o seu sonho...

Lorena Muniz, presente!

Fernanda Darcie

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