Meu bloco na rua
Foram dois anos sem carnaval, sem aulas presenciais, sem contato físico próximo com quase ninguém. Eu, particularmente, faço parte da população privilegiada que pôde exercer a sua profissão à distância. Adaptei-me bem, pelo menos era o que eu pensava. Até segunda-feira passada.
“Caminho se conhece andando
Então vez em quando é bom se perder
Perdido fica perguntando,
Vai só procurando
E acha sem saber..1”
Segunda-feira passada as aulas presenciais retornaram. Até esse momento, na minha opinião, não era hora. Não me sentia segura devido a ômicron, às inúmeras possibilidades de surgirem outras variantes ou ao pouco conhecimento de como seria/me sentiria. O primeiro dia que eu retornei à universidade pareceu o primeiro dia em que eu fui pra universidade. Muita ansiedade e preocupação.
“É hoje o dia da alegria
E a tristeza, nem pode pensar em chegar2”
Preocupação devido ainda ao número elevado de casos e óbitos e ansiedade em entender como iriamos nos readaptar. Percebi, ao final da semana, o que eu não sabia que sentia: falta do contato físico. Falta do abraço apertado, do olhar condescendente, da sala de aula atenta. Falta da relação direta com os alunos e com os outros professores. Falta dos pequenos momentos.
“Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja
Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo
Tenho pressa de viver3”
Esses pequenos momentos que, durante os seis anos anteriores à pandemia, não sabia que faziam tanta diferença no meu dia a dia. Aquela esperança de que juntos poderíamos fazer diferença na nossa vida e dos nossos parece que voltou. Sinto-me renovada. Parece que o meu propósito em lecionar, que durante a pandemia foi colocado em uma posição de descrédito por mim mesma, voltou com mais certeza e força.
“Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro...4”
Força para fortalecer a ciência. Força para trilhar o caminho da solidariedade, empatia e coragem. Força para que consigamos expor toda a desconstrução física, moral e social que vivenciamos nos últimos três anos e mostrar que somos sim, aptos, a realizar a mudança necessária para retomarmos o rumo do respeito, da parceria e do amor.
“Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer...5”
Rafaella Albuquerque e Silva
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1. Chico Cesar – Deus me Proteja - https://www.letras.mus.br/chico-cesar/1281067/
2. Caetano Veloso – É hoje - https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44721/
3. Belchior – Coração Selvagem - https://www.letras.mus.br/belchior/44453/
4. Belchior – Sujeito de Sorte - https://www.letras.mus.br/belchior/344922/
5. Sérgio Sampaio – Eu quero é botar meu bloco na rua - https://www.letras.mus.br/sergio-sampaio/236958/