Coletivo Indra

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Mulheres negras, entre o erro e a perfeição

A presença da mulher negra incomoda, seja lá qual for seu espaço de conquista!

Ela esbarra no racismo, quando precisa ser duas vezes melhor que uma mulher branca, e no sexismo, quando precisa ser três vezes mais sagaz e inteligente que um homem branco. Por mais que o movimento feminista negro venha abrindo discussões sobre a importância das referências negras na construção da nossa história e autoestima, a mulher negra ainda continua tendo sua fala questionada e suas capacidades intelectuais diminuídas.

Estou exagerando? Pois bem.

Pare um minuto no seu dia e responda a essas questões:

Quantas mulheres negras de destaque existem como professoras no seu curso universitário?

Quantas delas frequentam o restaurante que você costuma ir?

Quantas médicas, psicólogas, advogadas, escritoras e jornalistas negras você conhece? 

Recentemente, a jornalista e apresentadora do Jornal Hoje, Maju Coutinho, foi alvo de comentários negativos sobre a forma como vem apresentando o programa. Foram contabilizados erros cometidos pela jornalista enquanto estava no ar, colocando em dúvida as suas capacidades intelectuais e profissionais, o que muitos consideraram um caso claro de racismo. E o questionamento que fica é: e se fosse um homem ou uma mulher branca, seriam feitos os mesmos julgamentos? 

A presença da mulher negra incomoda. Se você é uma, talvez entenda melhor o que quero dizer. E a desconsideração é o primeiro passo para invalidar a nossa existência no mundo. Essa situação de Maju abre espaço para uma discussão muito importante: quantas vezes você precisou estudar mais, ser mais inteligente, mais esperta para conseguir se destacar?

Isso me recordou vários momentos da minha vida. Vamos lá. Mesmo antes de me perceber no mundo como mulher negra, sempre tive uma postura de querer ser a melhor nos estudos. Passei a maior parte da minha adolescência em casa estudando, sem considerar o quão importante são as relações sociais na formação da nossa persona. Inconscientemente, carregava esse peso de não poder errar, talvez por ter consciência que o investimento nos meus estudos era alto, então deveria seguir uma carreira que pudesse me colocar em destaque. Mas como não tinha o menor jeito para Medicina, Direito, ou essas profissões onde as pessoas são respeitadas pelo cargo, resolvi fazer Comunicação.

Por mais que não tenha tido grandes dificuldades por conta de um tom de pele mais claro, que me trouxe mais privilégios do que as mulheres retintas, ainda assim, ele não me livrou de ser também negra. Eu sou negra no exterior, nos relacionamentos, no mercado de trabalho. E sou negra também quando vejo a Maju na tela. Assim que compreendi as nuances do racismo, comecei a me procurar em todos os espaços possíveis e perceber o quanto é cruel não se enxergar em quase nada. Não me enxergava nas revistas adolescentes, não me enxergava nas novelas, no par romântico. Queria me ver em todos eles. Daí surgiu às cobranças internas, da não possibilidade de erro. Isso é o que o racismo faz com a gente.

Parafraseando Djamilla Ribeiro, “uma mulher negra no poder incomoda muita gente”. Isso acontece quando passamos a ocupar espaços dos quais nunca foram reservados para nós. E Maju é apenas mais uma das que vêm incomodando bastante. Ela foi vista como imatura para o cargo, porém “querida, simpática, humilde e alegre”. Não capaz. E quando há o mínimo de demonstração de orgulho, a mulher preta é tida como a “negra metida”, “a negra que se acha”.

Mulheres negras, sem generalizações, são atravessadas por histórias parecidas. Na vida profissional, nos relacionamentos amorosos e interpessoais, somos avaliadas por quão inteligentes, influentes e capazes podemos ser. Não podemos respirar, nem vacilar. E o erro? Esse não deve existir. Mas se nem assim somos consideradas, o que mais precisaremos fazer para validar a nossa fala, presença e capacidades intelectuais? Afinal, o que querem de nós?

Liz Santana, redatora e fotógrafa. 

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