Na porta da faculdade, eu parei e chorei...
na porta da faculdade, eu parei e chorei...
era alegria genuína o que me preenchia e me fazia transbordar aquele dia... era alegria!
para mim; indivíduo negro, suburbano, andrógino e freelancer, não há nada mais íntegro do que conquistar algo que a sociedade me priva desde a nascença... identidade!
identidade...
roupa, cabelo, vocabulário, música, esporte, religião... tudo o que me compõe, me foi vetado, e eu vaguei trinta anos sem saber quem era, e onde exatamente me encaixava e porque era ali que eu deveria me sentir bem... eu nunca me reconheci no espelho até entender a importância dessa palavra.
tive que recomeçar absolutamente tudo... estudar do zero todas as formas em que era possível eu existir, encontrar minha voz no silêncio da minha alma, aprender a ser a luz que acende o meu olhar, os versos que me inspiram e o vento que sopra essa poesia que sou eu para o mundo...
outro dia na porta da faculdade eu parei e chorei, estava saindo com o meu diploma na mão e me emocionei, finalmente depois de tantos anos o meu status de freelancer mudou para o de professora de língua portuguesa e literatura, e ali conversando com amigos e professores sobre trabalho fixo e os planos para o futuro, eu chorei.
chorei pelos meus pais que nunca puderam planejar um futuro melhor para eles, pelos muitos negros que tiveram que desistir na metade do caminho, pelos os que estão chegando, e os que estão ainda pensando em lutar e pelos que morreram na luta... mas chorei principalmente por mim, pelo significado que aquele papel trazia implícito, por ter a honra de carregar o sonho de tantas pessoas, e por finalmente estar moldando a minha identidade.
percebi tem pouco tempo que negro nasce literalmente nu; sem voz, sem sonho, sem perspectiva de felicidade, sem direitos e sem futuro... é com muito sofrimento que conquistamos tudo isso, é um passo lento atrás do outro, um choro após o outro e um tropeçar seguido do outro... a tela que somos nós é pintada com lágrimas de sangue!
parado ali entre abraços e sorrisos, me senti vestido de mim, e finalmente sendo visto, respeitado e reconhecido como a personalidade que eu deveria ser desde que comecei a minha jornada de vida, senti que naquele momento a minha cor não invalidava o meu contexto, e que a partir dali o trabalho agora seria para fortalecer e proteger a minha identidade e não para descobri-la...
mas toda essa mudança é por causa de um diploma?
não... toda essa mudança é pela possibilidade recente de sonhar com um futuro, de ser exemplo para o negro que não conhece a própria força e acha que é impossível, pra silenciar a voz de quem me marginaliza antes de conhecer a minha luta... toda essa mudança é por ter voz agora, e isso é algo que por mais que tentem ninguém vai poder tirar de você.
Ninna Tomaz
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Ninna é uma das nossas “Colunistas Diárias”, pessoas homenageadas neste mês de aniversário.