Não se iluda
Na semana passada, um repórter da CNN, negro, foi vitima de uma abordagem policial inadequada (para tentar ser leve). Ele, e sua equipe, formada também por dois profissionais negros, tiveram o carro parado e um policial apontou o fuzil no rosto do repórter, só revendo sua postura após os integrantes do veículo descerem do carro. Um com a câmera na mão e o repórter com seu microfone.
O mesmo repórter relatou que numa outra situação ele estava de terno e gravata, como normalmente se apresentam na tv, parado ao lado do carro que o levaria ao local da reportagem, em um estacionamento, quando uma pessoa lhe perguntou se ele estava manobrando os carros. Como ele mesmo disse, “nada contra aos manobristas, é um trabalho honesto” como muitos outros. Mas porque um sujeito negro parado ao lado de um carro de luxo, mesmo estando bem vestido, não é visto como proprietário do mesmo?
E eu te respondo como já respondi tantas vezes aqui: isso se chama racismo estrutural.
E quando falamos de racismo estrutural, não estamos dando um aval para que pessoas não negras tenham as suas consciências aliviadas da responsabilidade em relação ao racismo: “é estrutural! Tá acima da minha vontade! É culpa da sociedade”. Essas pessoas se esquecem que a sociedade somos NÓS. Que o contexto social é criado pelas relações humanas de poder e esses humanos somos NÓS. Cada um de NÓS.
Entender o racismo estrutural é compreender que o buraco é muito mais embaixo do que a gente imagina.
Não se limita aos desejos e vontades de um indivíduo porque esse desejo e vontade é moldado a partir de um parâmetro construído por um pequeno grupo detentor do poder econômico que vai interferir na relação com todo o restante. Determinar hierarquias de valor em relação as culturas, ao comportamento, a arte, a comida e tudo o que forma uma sociedade.
Entender o racismo estrutural não está relacionado ao tanto que você leu ou deixou de ler sobre a questão racial. Até porque, não importa quanto conhecimento teórico um sujeito não negro tenha em relação a essa questão, ele nunca será maior que o conhecimento empírico de quem carrega o fato na pele.
Entender o racismo estrutural está ligado ao quanto você está disposto a abrir mão de seus privilégios em prol de uma mudança verdadeiramente significativa.
E eu acredito que nossa sociedade – que a bem da verdade vem evoluindo bastante nesse quesito – ainda não esta disposta a fazer sacrifícios. Porque compreender o racismo estrutural na medida da real transformação exige cortar na carne .
Em um trabalho recente uma pessoa branca, produtora, me chamou durante o trabalho para me dirigir ao lugar determinado de minha função e eu pedi 2 minutos para terminar o que estava fazendo. E a resposta que veio foi a de que se eu quisesse mais tempo deveria ter começado a fazer o que estava fazendo mais cedo. Uma resposta grosseira, mal educada, sem conhecimento real de minhas obrigações ali e meus passos (porque afinal de contas somos irresponsáveis, preguiçosos e só funcionamos a base de chicote, né?). Mas também uma resposta carregada da prepotência da branquitude que considera seu direito falar com quem bem entende da maneira que lhe convém.
O sujeito branco não costuma parar para medir as palavras, para rever seus conceitos. Fala e age com a liberdade de quem determina o que é verdadeiro ou falso. Fala e age com a liberdade de quem determina as hierarquias dos espaços. Olha a tudo e todos sempre de cima e entende que a sua necessidade é sempre mais importante que qualquer outra, óbvio! Só que não!
Quando falamos de racismo estrutural falamos dessas pessoas começarem a fazer o que o sujeito negro faz desde que se entende por gente. Pensar antes de abrir a boca para falar porque sabe que haverão consequências. E no momento em que estamos, sim! Haverão muitas consequências. Pois racistas não mais passarão! E Racismo Estrutural não é uma expressão da moda, é a última oportunidade para uma tomada de consciência tranquila.
Tati Tiburcio
Instagram @tati_tiburcio