Coletivo Indra

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NIGRINHA INGRATA

“Ela é como se fosse minha filha!”

“É quase um membro da família”

“Minha babá é como se fosse minha mãe postiça”

Só que não! Todas essas expressões são fruto de opressão disfarçada de afeto cobrada na forma de gratidão.

Vemos diversos casos de escravidão doméstica surgindo com força a cada dia, mas é preciso lembrar que existem outras camadas desse tipo de opressão que são fruto da mesma origem, ou seja, do reflexo da visão escravocrata que o sujeito branco ainda mantém sobre nossos corpos negros.

Ainda recai sobre nós a ideia daquele que serve em troca de migalhas pelas quais tem de ser agradecido.

Essas migalhas podem ser moradia, comida, promessa de estudo nunca cumprida – como vemos nesses casos de escravidão doméstica – mas também podem ser migalhas de afeto, de inserção, de pertencimento. Nem sempre essa relação é cobrada por serviço, mas por uma gratidão que não tem fim. Como se tivéssemos que colocar o desejo e as necessidades dos nossos “benfeitores” sempre a frente”.

E qualquer atitude de protagonismo, de colocar em primeiro plano os nossos próprios desejos ou necessidades, é encarado como um desrespeito, ingratidão ou egoísmo.

Passamos a nos sentir culpados por nos colocarmos em primeiro lugar. Por não querermos ser a filha da empregada ou da amiga pobre que a filha da patroa chama de irmã mas não recebe o mesmo tratamento, ou aquela que é a mãe postiça ou a empregada quase da família.

O(a) amigo(a) preto(a) retratado(a) em vários filmes, séries, novelas, só fazem reforçar esse comportamento servil. Essa existência que só se justifica pela gratidão e lealdade que na verdade serve para enaltecer a falsa benesse do sujeito branco.

A necessidade de aceitação, de pertencimento numa sociedade que cria padrões de comportamento que não nos inclui, alimenta muito essa postura por parte do sujeito negro de nulidade da própria existência em função do outro, que no caso, é branco.

Para fazer parte do “grupo” muitas vezes o mais próximo que podemos chegar é do patamar de cunhã. Aquela que é “como se fosse”.

Esse claustro emocional vai minando nossa autoestima numa velocidade atroz. E a recuperação disso acontece no inverso do tempo. Você pode tirar o grilhão dos punhos de alguém em instantes, mas tira-lo da mente leva tempo e deixa marcas invisíveis que são muito difíceis de curar.

Por isso, apesar de ver a beleza da palavra gratidão em sua origem e essência, me considero ingrata quando o assunto reside nesse terreno da relação entre privilegiado e não privilegiado.

Nesse lugar faço questão de ser uma “nigrinha ingrata” (como inclusive fui chamada uma vez quando acreditavam que eu não estava escutando), pois cada oportunidade dada pelo sujeito branco é paga no momento que se faz o melhor uso que se pode dela e também no momento em que se dá oportunidade à outras pessoas.

Estamos quites! E aquele que estende a mão deveria ficar feliz e orgulhoso por isso assim como diz o ditado cristão “não saiba a mão esquerda o que dá a direita”. Qualquer cobrança disfarçada de afeto é cativeiro.

Se te estendem a mão é para te puxar para cima e te deixar seguir. Isso é generosidade. Isso é amor. Se usarem da gratidão para te manter preso, isso não é generosidade, nem afeto, nem “como se fosse” nada. Isso é a forma mais perversa de cativeiro. É o cativeiro da alma!

Liberte-se!

Tatiana Tibúrcio

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