Coletivo Indra

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O AMOR em 1 (LI), 2 (BER), 3 (DA), 4 (DE) ATOS

Don't Phunk With My Heart – Arte: Adriana Lisboa

O AMOR sempre será fonte inesgotável de inspiração para a ARTE.

Seja qual for a expressão artística (artes plásticas, cinema, teatro, teledramaturgia, poesia, música) ele estará no protagonismo existencial da chama onde tudo nasce e todos se transformam. Com a ação do tempo ele se remonta a cada época, a cada cultura, a cada comportamento. Desde o romantismo do século XVIII e seus trovadores o pulsar impetuoso desse sentimento produz lira, letra e ação. 

Dotado de inúmeras facetas e polissemias implícitas, outrora ele silencia para se fazer escutar, se esconde pra ser descoberto e se ausenta como defesa pra não ser sentido. É um tabuleiro as avessas cujas regras mudam conforme as experiências, os desejos. No trajeto nem sempre linear entre a ruína e a edificação ele é personagem onipresente da nossa odisseia. Confuso, intenso, misterioso o eu-lírico que ama mergulha num mar aberto e abissal de descobertas e autoconhecimento.    

De mãe, de filho, de pai, de amigo, de amiga, de homem, de mulher… Independente da forma que o amor assuma o ímpeto em sentí-lo nos arrebata imediatamente da zona morta e estéril da vida. Amar é verbo transitivo direto que não segue direções pré-definidas. Ele foge do cabresto da razão, despetala a bruta flor do querer e se perde num fluxo que só descobrimos ser essencialmente livre quando questionamos seus sentidos. 

Recentemente fiz diversas leituras que tinham sua presença como vetor narrativo. Entre livros, filmes, episódios de seriados e podcasts percebi que como numa invisível rede algorítmica todas essas experiências me levavam sempre a mesma constatação. Amores podem ser imaginários, inventados ou confundidos com outro sentimento, mas sua essência é regida pela assimetria da liberdade.    

(li) - ATO I

Quando jovens queremos encontrá-lo sem demora. Quando isso se realiza a ansiedade do desejo se transforma no medo de não saber como agir naquela condição. A maturidade sempre vem acompanhada por perguntas tortuosas. Amar é assim mesmo? Desse jeito, com esses hábitos, com a cartilha rumo a felicidade que nos ensinaram seguir? 

Ao enxergarmos o amor além do cupido e do casamento temos a dimensão metafísica inerente à concreta abstração do seu poder. O amor move matéria e espírito. Transcende os sentidos ainda que eles se percam durante a sensação de tê-lo pulsando no peito. Só amar nos torna capazes de distinguir o amor das panaceias que prometem curar todos os males, mas que no fundo se revelam ser a raíz da nossa enfermidade mais íntima.          

Cartaz “Todas As Mulheres do Mundo”

(ber) - ATO II

Terminei de assistir “Todas As Mulheres do Mundo”, série em homenagem ao Domingos de Oliveira recém lançada pela Globoplay,reafirmando minha certeza no privilégio da condição humana de amar em larga abundância. Me apaixonei por elas e pela forma libertária como o amor era vivenciado com intensidade e sem juízos, a cada episódio. A hipérbole amorosa que ebulia em Paulo (Emílio Dantas exalando charme e talento), mesmo acompanhada em alguns momentos por uma visão machista e egocêntrica, nos rende por sua forma genuína e democrática de conjugar o verbo. Assim como o protagonista, todos nós estamos vulneráveis e suscetíveis a amar mais de uma vez quem quer que seja. O amor de hoje não é o de ontem, não será o de amanhã e pode não ser pela mesma pessoa nos três tempos. 

As mulheres que norteiam cada episódio chegam na vida de Paulo e se vão num fluxo transitório que desnuda os encantos que faz de cada uma delas única na sua inspiração cotidiana. As musas contemporâneas de universos femininos múltiplos manifestam beleza e a liberdade de vontades e desejos. E é nas cenas onde a independência delas bagunçam e confundem o olhar masculino apaixonado que está o manifesto de ruptura e equidade do direito livre ao amor. O desapego, a partida e, sobretudo, a sinceridade mútua é premissa fundamental para o amor se fazer presente ainda que por outros significados. A trilha sonora composta por grandes vozes femininas da nossa música se harmoniza com maestria ao talento e a singularidade das atrizes que estrelam cada episódio (Sophie Charlotte, Martha Nowill, Maeve Jinkings, Maria Ribeiro, Naruna Costa, Samya Pascotto, Veronica Debom, Sara Antunes, Mariana Sena, Natasha Jascalevich, Marina Provenzzano). 

A série é um soneto escrito por um olhar masculino, mas seus versos só existem por causa da existência delas.                     

(da) - ATO III

Já na sua simbólica abertura, Modern Love - série exibida pela Amazon Video baseada na coluna semanal publicada pelo The New York Times - costura com nostalgia o amor crônico em diferentes cores e composições. Como na fotografia o sentimento se fragmenta na lembrança que nunca se finda e se esvai na certeza da sua efemeridade. A série encanta pela simplicidade e sutileza com a qual consegue nos reconectar com o amor na frenética rotina do mundo moderno. Sua onipresença diante a modernidade de uma sociedade cada dia mais conectada tecnologicamente e mais ilhada em afetos físicos faz com que percebamos sua importância além da construção idílica do amor clássico romântico. É em simples e até banais ações cotidianas que o amor cria morada e observa nossa negligência, nossa fuga e nossa incapacidade de perceber o quanto ele é resistente as variáveis modernas sejam elas obras do acaso ou consequências da nossa própria intervenção. 

Uma das grandes qualidades da série é que até os episódios não tão bons e arrebatadores, fazem valer a obra pelas reflexões importantes e filosóficas que ela faz. Assim como na vida que é feita por dias bons e outros não tão bons assim, sempre há uma reflexão a ser feita, uma lição a ser aprendida. Destaco os episódios 2)Quando o Cupido é uma Jornalista Curiosa”, 3)Me Aceita como Eu Sou, Quem Quer Que Eu Seja”, 5)No Hospital um Interlúdio de Clareza”, 6)Então Ele Parecia um Pai, e Era Só um Jantar”, 7)Um Mundo Só pra Ela” e 8)A Corrida Fica mais Gostosa na Volta Final”; e as atuações viscerais e encantadoras de: Anne Hathaway, Dev Patel, Jane Alexander, Olivia Cooke, John Gallagher Jr. Sofia Boutella, Julia Garner e Andrew Scott.          

Cartaz “Para dar Nome as Coisas” (arte: Amanda Fogaça)

(de) - ATO IV

Na mesma semana que finalizei “Modern Love” e me despedi de “Todas As Mulheres…” a jornalista e escritora Natália Sousa fez um podcast do “Para dar nome as coisas” com o tema: desapego. No episódio 34 “Quando a gente não consegue esquecer (ou sobre desapegar de alguém)” ela abre o peito e fala sobre aquele momento da vida que o desencanto bate a nossa porta, as coisas se findam e relutamos em largar as chaves. Ser honesto com a gente e com o outro, e encarar a dor do fim não é fácil. O amor se transforma, mas não conseguimos desapegar de tudo que ele nos proporcionava. 

Num momento do episódio ela diz que “o apego traz a fantasia de que se a gente segurar as coisas , segurar as memórias, os detalhes, as lembranças, a gente de algum modo consegue segurar aquela história com a gente… a gente consegue adiar o fim”. É a negação que antecede a sentença. Quando passamos a perceber que os lugares das coisas mudaram e não cabem mais nos cômodos que ocupavam no passado, tentamos negligenciar, não ver pra não precisar encarar. Assumir para si próprio que uma relação de amor chegou ao fim é entender o que as coisas significam. E pra entender o significado que isso tem é necessário ter consciência ao que esse apego nos prende. Porque ao nos prender ele nos impossibilita de soltar o que essencialmente não é mais saudável carregar e impede que outras histórias nos encontrem em Nova York, no Rio de Janeiro, em São Paulo. O lugar é o que menos importa diante o desatino fascinante de amar.          

Inconclusão 

Você não terminará essa leitura convicto de que o amor tem que obrigatoriamente ser livre e de que as relações tradicionais são instituições falidas. E essa não é a minha intenção. Meu objetivo maior com esse texto é propor uma reflexão acerca da necessidade de termos consciência de que antes de amar alguém precisamos amor a nós mesmos. O auto-amor traz a tiracolo o respeito e a honestidade com aquilo que somos. O tempo, a forma e os afetos variam de cada pessoa. O amor é repleto de sinônimos. Sofrer, padecer, doer, arder… Camões que me desculpe, mas pra mim, o amor é cada vez mais sinônimo de li-ber-da-de. E você é livre pra achar o contrário. O importante é amar! 

Felipe Ferreira

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