Coletivo Indra

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O Cortejo

Há muito tempo atrás, um senhor chamado Patriarcado, recém chegado na vila, depois do assassinato sombrio e torturante da senhora Matriarcado, estava sentado na varanda de sua casa. Ouve uma musica distante que traz diante de seus olhos um cortejo de mulheres. Milhares, muitas e diversas que se dirigiam para homenagear a passagem da velha e poderosa senhora. 

Trajavam cores, roupas das mais variadas etnias e castas, possuíam todas as cores de pele já pintadas por um grande artista. Exibiam traços e linhas nos rostos e em seus corpos de dimensões belas e infindáveis. Traziam flores nas cabeças, algumas filhos nos braços, outras oferendas, algumas lágrimas e esperanças.  

O velho Patriarcado, com um brilho nos olhos de quem vê um cometa, foi até a beira da varanda para apreciar mais de perto este cortejo de alma tão eloquente. Seu impulso foi de elogiar, aplaudir, chorar, parabenizar, dizer que as amava e que estava espantado com tamanha força, beleza, cores, música, cheiros…. mas… ao chegar mais perto não se conteve em apontar o que lhe assustava na proximidade do olhar:

Quem são estas milhares que atravessam mundos e culturas apenas para buscar sobrevivência em outro lugar? 

Quem são estas pessoas estranhas que sentem dores do parto, parem filhos, sangram todo mês e não morrem, como pode Senhor?

E estas malucas que entendem de sol, de lua, de estrelas e curam sem ao menos ter um remédio nas mãos? 

O quê? Tem o que? Sexto sentido? Não pode ser…. Isso não é de Deus!

O que é aquilo? Há mulheres nuas dando liberdade para seus corpos….Depravadas!

E quem pensam que são estas loucas que levantam a voz para mim dizendo tudo ao contrário do que acredito para minha cidade e querendo sentar na minha varanda?

E estas com espadas nas mãos achando que são quem? Histéricas!

Olha as desnaturadas que estão sem filho neste cortejo, não devem estar respeitando sua única natureza, pra que servem? 

Aquelas ali devem ter deixado seus filhos em casa para cuidar dos filhos dos outros só por um trocado, insanas!

Que barbárie….o que são estas mulheres nascidas em corpos de homens? Impossível aceitar… 

O que vejo?…. Uma mulher de mãos dadas com outra mulher….meu Senhor, se beijaram! Óh!

Quantas são? Este cortejo não tem fim? Estão caminhando por horas? Trabalham horas para quê? Fugindo do seu dever de nos servir….vadias! 

O velho senhor fôra se transformando ao ver aquele cortejo infindável e dançante passar, não se continha, pois tamanha diversidade lhe saltava os olhos e não tinha uma alma capaz de entender tantas possibilidade. Voltou-se para dentro de casa correndo antes que o cortejo o inebriasse com seu cheiro e encanto e proclamou em cartas para os homens da cidade:

Todas estas que por aqui passarem devemos colocá-las para dentro de casa sob regimes domésticos, tirar-lhes o brilho dos olhos, colocar em convento, clausuras, burcas, acorrentar em troncos as fujonas, amarrá-las em roupas para não se exibirem em curvas e desejos, ensinar-lhes a calar, não surpreender, ensinar a ajoelhar, abaixar os olhos, não responder, não opinar. 

Elas são perigosas, podem mudar o rumo das coisas por aqui. Precisamos prender as loucas, as desajustadas, as rebeldes e arruaceiras, as que não se encaixam, as que vêem as coisas de um modo muito diferente, as que não gostam das regras e não respeitam nosso status quo. Podem denuncia-las, não será aceito glorifica-las mas será impossível ignora-las. Porque são seres estranhos que modificam a condição humana e são tão loucas para acreditarem que podem mudar o mundo! “

Sua carta ecoou aos sete cantos do mundo e suas ordens se cumpriram, em alguns lugares com mais a finco do que outros. Porém o que eles não vetaram em escrita foi que o cortejo das mulheres continuasse passando e nós continuamos! 

Gaby Haviaras

Instagram @gabyhaviaras

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#8M

Mulheres no bonde

1/3 esta sangrando

1/3 esta fértil

1/3 já não sangra mais

Esperam

Equilibram-se

Nas linhas tortas dos varais que ficaram por secar

Disfarçando a ausência de si mesma no corpo exaurido da luta do dia

Leem

Ouvem música

Dormem

Pensam onde tem que saltar

Veem a estação passar

Já não é mais inverno como antigamente

O cansaço exala no cheiro doce da pipoca dentro da bolsa descascada pelo

uso

As cores múltiplas

A fé a mesma

De chegar em casa sem passar por uma rua escura

Essas todas ai

As que lavam

As que passam a roupa e a vida na janela

As que nunca se tocaram

As que se tocam de um mundo melhor

As que nasceram meninas dentro de meninos

As de leite e as de ventre

As que nasceram

As que se tornaram

Quando estão no bonde

Diferenças gritam nas semelhanças de todas

O homem de pé no bonde com a bíblia diz: “veio da costela do homem”

“da costela de quem?” responde a que estava em pé nos seus sonhos

Ele jamais terá voz quando todas as gamelas ecoarem

A força e a simplicidade dos mistérios da vida

Que só as mulheres do bonde sabem do que se trata

GH