Coletivo Indra

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O Duplo Caminhar

Dizem que as melhores conversas, poemas e letras de músicas saem de uma mesa de bar! E minha reflexão hoje saiu em roda de amigos após o Hanamatsuri, a celebração do Nascimento do Buda Shakyamuni, postado no inicio do abril. Como em muitas celebrações e do jeito brasileiro terminamos em um Izakaya, um boteco típico japonês no bairro da Liberdade (SP). Entre um sotchu e outro (sotchu é um tipo de aguardente) estávamos falando sobre dificuldades encontradas no caminho budista.

O budismo é um profundo percurso de autoconhecimento. Se conhecer pode ser assustador! E então relatei minha vivência na virada do ano. Em novembro de 2018 fiz uma viagem ao Japão por três semanas e um dos pontos altos era ir o Monte Hiei. Este monte foi o epicentro do budismo durante alguns séculos, sede da escola Tendai e de onde derivaram quatro monges patriarcas de grandes escolas: Hônen (Jodo), Shinran (Shin), Dôgen (Zen) e Nichiren (Nichiren). 

E para ir até em um diversos templos neste complexo monástico entrei sem querer, e por quase meia hora, em uma trilha de cascalhos, fiquei perdido, não havia nenhum turista ou peregrino nos árduos caminhos altos e baixos. Apenas o som da mata, o ar frio da manhã, o sol por entre os galhos, o som grave e lento de um sino tocando longe e uns corvos resmungando nas árvores. E o resultado foi uma pisada em falso. Na semana seguinte, a parte superior do fêmur direito começa a doer, mas estava certo que era apenas das andanças. De volta à São Paulo, o ortopedista constata por uma ressonância um edema, uma micro-fissura. Fisioterapia, acupuntura, chás medicinais e repouso.

Durante três a quatro meses, caminhar ou levantar da cadeira eram doídos, andar por uma quadra necessitava pausa. Mas também dolorido foi a separação afetiva vivida seis meses antes (sim, monges e reverendos também amam e sofrem pela separação) e cujo luto veio após minha viagem à Ásia. A sensação de perda, a angústia do vazio, a decepção amarga com a causa, tudo incomparável à outros momentos. A pessoa certa na hora errada não estava mais ali.

O QUE MINHA SEPARAÇÃO TEVE A VER COM A PISADA EM FALSO NO MONTE HIEI? O CAMINHAR DA VIDA.

Onde eu estava pisando em falso nas histórias, estaria enxergando o caminho daquilo que amava? E seria mais doloroso se continuasse naquele curso sinuoso de incertezas em meio à paixão e ao amor. A vida nos dá exercícios, nos faz repensar e por vezes se reflete no organismo. E se você não entender, ela dá um jeito. Acho que o/a caro/a leitor/a já vivenciou, não há segredo nisso, são as boas filosofias caseiras e os conselhos maternos. A dor na perna dizia para eu parar e repensar o meu caminho.

QUAL É O MEU CAMINHO?

Perna devidamente curada, coração depurado, agora posso caminhar novamente, nos dois sentidos. O Monte Hiei, epicentro do budismo cujo ensinamento é a liberação dos sofrimentos, me fez despertar para minha dor.

A Primeira Nobre Verdade proferida pelo Buda Shakyamuni diz que a vida é sofrimento, mas esta é uma tradução simples. Ele quis dizer que a vida em desequilíbrio resulta em sofrimento. A palavra Dukkha referente ao sofrer é o mesmo termo para eixo das rodas do carro de bois, transporte comum na época.

Se o eixo estiver desregulado, o carro de bois andará capenga nas rodas. E mesmo sentido o Buda fala sobre o Caminho do Meio. Ao ver um tocador de citara, o músico explica que se a corda estiver muito esticada ela arrebenta, se estiver frouxa não produz som.

PROCUREMOS AJUSTAR AS NOSSAS CORDAS E EIXOS. PROCUREMOS EQUILÍBRIO EM NOSSOS CAMINHOS E PERCEBER O QUE A VIDA NOS APRESENTA.

A vida assim se apresenta à nós. Como caminhamos na vida?

Monges! Nascimento é sofrimento, velhice é sofrimento, doença é sofrimento, morte é sofrimento.

Estar unido ao que se detesta é sofrimento. Separar-se do que se ama é sofrimento. Não se obter o que se deseja é sofrimento. 

Primeira Nobre Verdade proferida pelo Buda Shakyamuni

Gassho

Rev. Jean Tetsuji釋哲慈
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