O impeachment de Bolsonaro
No último final de semana, o presidente mais uma vez saiu as ruas contrariando as recomendações de isolamento durante a pandemia que enfrentamos e discursou para aqueles que manifestavam em favor da intervenção militar e do fechamento dos demais poderes, sob a bandeira do retorno do que foi o AI-5. Essa lamentável combinação de atitudes, sem se esquecer de outras tantas vezes nas quais o líder do Executivo agiu de maneira temerária (para dizer o mínimo) é, para muitos, é motivo mais do que suficiente para que ele seja afastado do cargo, através do impeachment.
Ao contrário do sistema parlamentarista (aquele da Inglaterra, por exemplo), no qual o líder do Executivo surge de dentro do parlamento e forma o seu governo, não por um período fixo, mas enquanto durar a confiança do parlamento, no presidencialismo, nosso caso, o presidente é eleito por um mandato fixo e, em tese, deve governar por todos os anos previstos. A princípio, não haveria uma ferramenta específica para que ele fosse retirado do cargo, mesmo que estivesse claro que não tem condições de exercer a função e sua gestão fosse desastrosa, ou se tivesse perdido as condições de governar.
No Brasil, para o afastamento por impeachment, seria necessário o cometimento de crimes de responsabilidade, previstos em lei, que não necessariamente estariam vinculados com a má gestão do presidente, mas de tal gravidade que autorizam esse tipo de sanção. Estes, são apurados num julgamento político-jurídico perante o Congresso Nacional, após a denúncia formulada por qualquer cidadão e que é recebida pelo presidente da Câmara dos Deputados.
Mas Bolsonaro não só é inepto e já deixou claro não ter a menor aptidão para o relevante cargo que diz exercer – e tampouco qualquer vontade de desenvolver as habilidades necessárias, o que só revela ainda mais sua mediocridade – como também já agiu de diversas maneiras que podem ser enquadradas como crime de responsabilidade (já escrevi sobre isso antes). Hoje, existem 24 denúncias dessas na Câmara, número elevado para pouco mais de um ano de governo.
Mas o julgamento não é só jurídico. A abertura do processo fica a cargo do presidente da Câmara dos Deputados que depende de um ambiente político favorável para isso. O impeachment é um trauma político que pode desaguar em consequências mais sérias para a manutenção do regime, de modo que depende de um cálculo estratégico, um juízo de oportunidade político, que não seria possível se o julgamento fosse eminentemente jurídico.
Bolsonaro aposta reiteradamente na estratégia de confrontamento, com os demais poderes, com a mídia e com tudo aquilo que discorda dele e, nesse sentido, é bem sucedido. Esse foi o padrão de comportamento escolhido para a conduzir sua gestão e parece não haver motivos para que mude, pois assim agrada a sua base de apoio e mantém sua popularidade em um certo patamar que dificulta as tentativas de que seja contido. Nem mesmo o COVID-19 foi suficiente para que ele evitasse confrontos com o seu então ministro da saúde, Henrique Mandetta, já demitido e substituído por outro.
Essa estratégia de combate é o seu maior trunfo e não o cumprimento a qualquer promessa feita durante a campanha. Aquilo que ele chamava de nova política já envelheceu bastante em pouco mais de um ano de governo; o liberalismo defendido na campanha foi para o espaço – por óbvio - e já anunciado um plano de investimento em obras públicas e estimulo a economia que sequer contou com a presença do ministro da economia em seu lançamento; enquanto escrevo, Sérgio Moro, outro dos superministros, deixa o governo após um embate com o presidente em virtude da troca no comando da Polícia Federal.
Nada disso parece ser suficiente para acabar com o governo Bolsonaro, pois sua sobrevivência depende de conflitos e polêmica. E quanto mais tempo ele passa o cargo, mais controvérsias ele tem condições de produzir e assim inflamar sua base de apoio, alimentada exaustivamente com notícias mentirosas e memes através das redes sociais: num mesmo dia assistimos seus apoiadores criticar e defender Mandetta antes de sua demissão e não duvido que essas redes já estejam abastecidas de mensagens contrárias a Moro. Dessa maneira, ele consegue afastar a conveniência política de ser aberto o processo de Impeachment.
Assim, um ambiente político de caos e tragédia somente ajuda a Bolsonaro e, enquanto ele perdurar, mais difícil parece ser para removê-lo do cargo. Com isso, as anormalidades se tornam o novo cotidiano e vamos nos acostumando a conviver com um presidente que sequer deve saber o que a palavra decoro significa e cujo único objetivo na política é o proveito próprio e de sua família. Por isso é tão necessário entendermos o quão importante é a nossa democracia e o quanto a permanência dele pode ser nefasta. A nova revolução é defender que tudo volte ao normal.
Apesar da dificuldade e do risco de um impeachment, Bolsonaro precisa ser contido o quanto antes, para que suas controvérsias não corroam definitivamente a nossa democracia até um ponto em que ninguém nunca mais ousará o retirar do comando da nação.
Arthur Spada
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