Coletivo Indra

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O Novo normal...

… (ou bom chibom chibom bom bom)

Fico me perguntando sobre esse “novo normal” em diversas vertentes. No mundo pandêmico em que atualmente vivemos, o conceito de normalidade acentua e desmascara ainda mais o abismo social em que sempre vivemos. E pior que isso, agiganta esse abismo. 

Falamos em manter um isolamento social dentro e fora de casa, mas como isso é possível nas comunidades cariocas, por exemplo? 

As orientações de saúde em veículos de comunicação em massa deixam claro essa invisibilidade das realidades que não são o padrão, em suas medidas de prevenção. Se alguém estiver doente em casa precisa ficar em um ambiente isolado dos demais moradores. Mas como isso é possível em uma casa de um cômodo ou dois, onde vivem sete pessoas? 

Poderíamos ficar por páginas aqui citando exemplos e situações para descrever outras medidas e suas dificuldades para essa imensa parcela da população que não usufrui dos privilégios da “normalidade”.

Essa epidemia escancarou para um pequeno, mas poderoso grupo, que dita o que é normal, a sua confortável condição de forma irrefutável. 

Se antes poderiam se apoiar em argumentos mesmo que falhos e por vezes falsos, como meritocracia ou comodismo, agora estamos diante de fatos concretos que não tem como criar desculpas: a casa só tem dois cômodos e moram sete pessoas. Ponto final. O isolamento não esta sendo feito não por falta de vontade ou preguiça, mas porque fisicamente é inviável. 

Como diz um tio meu, o privilegiado esta agora “com as calças arriadas”...

Mas longe disso se refletir numa tomada de consciência suficiente para uma efetiva transformação de atitude. Não. O que vemos na verdade é uma sociedade estruturalmente racista e mantenedora de seus privilégios encontrando meios de continuar existindo dessa forma mesmos após o caos.

Aí surgem rapidamente expressões como “o novo normal”. 

E o que seria esse novo normal? Nada mais do que o mesmo com uma roupagem diferente, disfarçada de mudança.

As diferenças já existentes no “antigo normal” foram escancaradas e muito acentuadas. O que importa agora é saber o que faremos com isso? Tanto os sempre beneficiados com essa estrutura quanto os sempre prejudicados. 

O trecho daquela música de axé do grupo As Meninas da década de 90 se faz extremamente pertinente ainda hoje: 

[youtube=://www.youtube.com/watch?v=XZQPGlVWTLA&w=640&h=480]

“E o motivo todo mundo já conhece 

É que o de cima sobe 

E o de baixo desce!”

Essa é a verdade! O vírus só fez deixar essa hierarquia verticalizada ainda mais gritante e ao invés de se aproveitar a oportunidade para mudar, se tenta desesperadamente criar meios de continuar mantendo a ordem antes estabelecida. 

Tudo agora é virtual, porque o “novo normal” faz as compras de supermercado por aplicativos, os deliverys todos, as festas, o home office. Se você não tem o zoom você não é ninguém pois todos os encontros de trabalho agora são via plataforma digital. Mas como fica quem não tem acesso a essas plataformas ou cujo trabalho não se encaixa nessa estrutura? Esse sujeito automaticamente esta impossibilitado de FAZER. Ou, pelo menos, do seu produto ou mão de obra, chegar a um número x de pessoas que possam consumir isso.

Se pensarmos que todo esse “novo normal” se baseia em um universo digital, esbarramos no problema da acessibilidade a internet.

No município de São Gonçalo - RJ, por exemplo, só 24% da população tem acesso a banda larga. Como que os outros 76% farão para se manterem visíveis e participantes desse novo mundo?

Então, nesse “novo normal” além da impossibilidade de FAZER para tantas pessoas, temos também a impossibilidade de TER.

Na tentativa de pensar estratégias de continuar coexistindo estamos aumentando o abismo e criando caminhos que favorecem apenas os privilegiados dessa estrutura em detrimento a todo o resto que agora esta ainda mais de fora. Os grupos estão ainda mais divididos e a coexistência esta cada vez mais limitada a sua bolha.

Na arte isso não é diferente. Tinha uma máxima de que a arte é acessível a todos. Mentira. Pelo menos não toda a arte porque um espetáculo cujo ingresso era 100 reais não podemos dizer ser acessível a todos. No entanto, haviam estratégias de acessibilidade em desconto no valor dos ingressos, ingresso popular, apresentações gratuitas para escolas, ONGs, ida do espetáculo a lonas culturais com acesso por vezes gratuito, e por aí vai. O acesso ainda mantinha restrições mas procurava caminhos mais democráticos. 

No “novo normal” ficamos como? Com um teatro virtual onde para assistir você tem que ter banda larga, para comprar o ingresso você tem que ter cartão de crédito, um computador para assistir ou um celular com uma boa definição de imagem. 

Mas tudo tem diversos lados. Quem sabe os menos favorecidos possam aproveitar essa realidade para construir o seu “novo normal”. Não baseado numa desesperada tentativa de inclusão numa estrutura que não lhe pertence e que não deseja sua presença. Mas numa estrutura que parta de suas vontades, referências e necessidades. Um caminho baseado em outros pilares naturalmente inclusivos, por que de inclusão os que estão à margem sabem muito e exercitam o tempo todo. E provavelmente um “novo normal” criado a partir dessa visão será verdadeiramente acessível a todos.

[youtube=://www.youtube.com/watch?v=GmsmrHdomRo&w=854&h=480]

Porque esse “novo normal” que se apresenta como padrão e verdade faz bem para quem?

Na verdade, ele não tem nada de novo. Continua alimentando as desigualdades, os abismos culturais, sociais e econômicos e tentando vender a ideia de que estamos nos tornando melhores quando, na verdade, as bolhas estão cada vez mais deixando de ser metáfora para se tornarem realidade. Dura e física. 

Medo do dia em posso vir a olhar para o céu e ver uma ilha flutuante de um mundo de privilegiados do qual os pobres mortais não poderão fazer parte. Como no filme Elisyum. 

A arte preconizando a realidade... mas não esqueçamos que a realidade quem constrói somos nós. Sendo assim... que venha a verdadeira revolução!

Tati Tiburcio

Instagram @tati_tiburcio