Coletivo Indra

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O que a história tem a nos dizer sobre o Afeganistão hoje

Na última semana nós do mundo ocidental ficamos horrorizados com as fortes cenas da multidão de afegãos invadindo o aeroporto de Kabul, capital do Afeganistão, após a tomada do Talibã na cidade.

Ao fundo das imagens em movimento ouvimos sons de tiros, gritos desesperados de gente angustiada, fazendo de tudo para sair daquele lugar. A foto acima foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação de massa mundo a fora.

A imagem é de um avião militar dos EUA que decolou com 640 pessoas – nitidamente o avião decolou acima da capacidade permitida. Em tentativas desesperadas de sair do país vemos homens e mulheres agarrarem-se e pendurarem-se nas partes externas do avião.

As cenas foram chocantes ao mundo ocidental. Para entendermos o que levou a essa situação é preciso ter em mente que as notícias, que chegam até nós, se restringem a uma cidade, que não é o retrato de um país.

O debate no espaço público se reduz a uma metonímia, que se fixa na compreensão do todo pela parte, ou seja, identifica um país à sua capital.

Mas o Afeganistão desde a sua antiguidade é um lugar multiétnico, para termos uma ideia da diversidade há os pashtuns, que são mulçumanos sunitas e é a maioria étnica do país atualmente; os hazaras que são xiitas; tajiques; usbeques, o que já demonstra uma composição étnica linguística e religiosa complexas desde tempos antigos.

Observe, então, que não dá pra falar pensar sobre o atual Afeganistão sem falar da sua história que teve as mais diversas influências culturais e religiosas, como o Budismo, o Zoroatrismo, Wahabistas, mulçumanos xiitas e sunitas.

Isso provavelmente devido a sua localização na Ásia central, um território estratégico, próximo da Índia e da China, por exemplo, desde a antiguidade a região é conhecida por suas rotas terrestres de circulação de mercadorias e de pessoas.

Ou seja, ao longo da história como diversos povos estiveram presentes nesse território.

Já sobre a história mais recente, sabe-se que o Afeganistão conquista sua independência da Inglaterra em 1919; e em 1973 Mohhamad Daoud lidera um golpe que depõe o último monarca afegão, ao passo que movimentos sociais surgem dentre os quais comunistas.

Em 1978 o Partido Popular Democrático do Afeganistão lidera levantes pelo país, conhecido como Revolução de Saur, o que resultou na presidêcia de Taraki. Porém, houve movimentos insurgentes pelo território contra o governo comunista e o Estado laico, uma vez que tais grupos políticos se incomodavam com esse governo secular.

Dentre eles estavam os mujahideens, guerrilheiros em sua maioria pashtuns islamizados treinados pelos EUA e pela CIA, com auxílio do governo paquistanês. Com isso, o governo comunista é enfraquecido e em 1979 a URSS enviam tropas ao Afeganistão a pedido do governo Taraki, na tentativa de fortalecê-lo.

Além disso os mujahideens tiveram por aliados os sauditas, dentre os quais o famoso Osama Bin Laden. Essa guerra ocasionou em refugiados afegãos uma vez que o país foi devastado, a duração foi de dez anos, de 1979 a 1989, quando as tropas soviéticas se retiram de solos afegãos.

Dos mujahideens surge o Talibã, na década de 1990, uma organização extremista e religiosa, afinal sua prática política violenta é justificada a partir de uma deturpação dos escritos sagrados. Assumem o governo do Afeganistão em 1996 e são depostos após a invasão dos EUA em 2001.

Após o atentado “terrorista” de 11 de Setembro se inicia uma guerra ao terror com a justificativa de que o governo Afegão, que a época era governado pelo Talibã, estava abrigando a Al-Qaeda e Osama Bin Laden.

Ou seja, a guerra ao terror estava assentada no direito à legitima defesa da soberania nacional. Saddam Hussein estadista iraquiano foi a única liderança que se posicionou contra a invação dos EUA no Afeganistão – vale ressaltar que o Iraque, Bósnia e Haiti também  foram alvos de invasão imperialista dos EUA com a justificativa resolver a crise humanitária.

Contudo, o atual presidente Joe Badin “nunca foi para reconstruir o país”, então a invasão não tinha como objetivo melhorar as condições de vida do povo afegão e portanto minorar a crise humanitária.

Segundo relatório da ONU, publicado no ano corrente, identificou que 2021 foi o pior ano de crise humanitária no Afeganistão. Possivelmente o agravamento da situação tenha sido em decorrência da pandemia, porém os dados apontam que nos últimos cincos anos a crise humanitária no país piorava ano após ano.

Tendo em vista a situação alarmante, a ONU solicitou aos países da comunidade internacional contribuição financeira para auxiliar o Afeganistão. Do montante solicitado, apenas 37% foi recolhido, o que demonstra o pouco caso que a comunidade internacional faz em relação Afeganistão.

Além disso, a retirada as forças armadas americanas no país não foi algo inesperado. Desde a presidência de Barack Obama já se anunciava a retirada das tropas americanas do Afeganistão. Vejamos. Em 2018, 40% do território do Afeganistão já estava sob domínio do Talibã, e em 2020 foi firmado um acordo entre o governo Trump e o Talibã para se efetivar a retirada da presença americana no país.

Então, a partir de tal contexto não se fundamenta a interpretação de que a retirada americana significaria uma derrota do imperialismo yankee. Então em um país que já passava por crise humanitária combinado com o retorno do Talibã, gerou um clima de incerteza e, portanto, um desespero pois não se sabe ao certo como será esse novo governo, se governará com violência ou se respeitará os acordos firmados com as potências internacionais.

Com esse cenário posto, devemos clamar por ajuda externa da comunidade internacional para a resolução dos problemas que o povo afegão enfrenta cotidianamente? Desde 1977 a Associação Revolucionária de Mulheres Afegãs (RAWA), fundada por Meena Kamal (que foi assassinada em 1987), organiza uma luta autônoma.

Produzem uma revista Bilíngue desde 1981, que denuncia as violências que as mulheres afegãs sofrem. Criaram escolas para crianças refugiadas, hospitais e centros de artesanatos, assim como lutam pela alfabetização das mulheres, pois uma mulher sem conhecimento não conhece seus próprios direitos.

É curioso notar como a RAWA evita lutar ao lado de ONGs, elas pois acreditam que são os próprios afegãos que devem defender seu território de ameaças imperialistas e de extremistas religiosos, como o Talibã. [para maiores informações siga a página no Instagram @realrawaofficial.

Em 2012, quando o país ainda estava ocupado pelos EUA, o então presidente Hamid Karzai estipulou um código de conduta que restringe as mulheres de direitos, como sair de casa sem a permissão do marido, apenas para citar um exemplo.

Ou seja, sempre houve a opressão das mulheres na região, mesmo quando o Afeganistão estava ocupado por tropas militares americanas, quem supostamente estaria ali para defendê-las.

Dessa maneira, a nós ocidentais cabe exercitar uma escuta ativa ao invés de pensar a intervenção de potências liberais como solução viável para resolver os problemas no oriente médio. Além disso, cabe a nós feministas ocidentais escutá-las e não de imediato associar a opressão das mulheres afegãs ao uso da burca, como se elas não fossem dotadas de inteligência, como se não fossem sujeitos ativos.

Inclusive, centrar o debate das mulheres afegãs no uso da burca demonstra uma islamofobia, pois reduz o islã e as mulheres ao uso de uma vestimenta, além de desconsiderar que o islã político é diverso.

Em última instância quem faz do islã uma religião opressora é o patriarcado, é o olhar masculino.

 

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