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O que esperar de um novo Código Eleitoral?

Nas últimas semanas o Brasil talvez tenha enfrentado o momento de maior estresse institucional dos últimos dois anos, após o movimento convocado para o dia de feriado da independência, em favor do presidente e que contou com a presença deste que fez duras falas contra as instituições – especialmente contra os ministros do STF – e a clara intenção de ruptura com a ordem estabelecida.

Nos dias seguintes, o presidente foi obrigado a debelar um movimento de caminhoneiros que pretendia fechar estradas e recuou da posição manifestada em 07/09 por meio de uma “carta a nação” e ligação telefônica para o ministro Alexandre de Moraes, com o auxílio do ex-presidente Michel Temer, figura de enorme trânsito político e de relacionamento pessoal com Moraes.

Os panos quentes evitaram uma reação mais contundente dos demais poderes e adiou o debate com relação a remoção do presidente. Enquanto o país assistia a toda essa movimentação e seus desdobramentos, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto base do novo Código Eleitoral no dia 09 de setembro.

Na madrugada do dia 16, ontem, a Câmara concluiu a votação desse projeto de lei complementar que agora seguirá para o Senado, e representa a maior mudança nas regras eleitorais desde a redemocratização.

Sua tramitação foi alvo de diversas críticas, dada a pressa com que tamanhas mudanças – são mais de 900 itens -foram levadas para a votação e a pequena possibilidade de influência da sociedade civil sobre o projeto, o que se soma a tramitação de uma matéria dessa importância em um momento no qual a pandemia segue vigente e as casas legislativas não estão funcionando de maneira normal, tendo seus trabalhos feitos de forma parcialmente remota.

Muito dessa pressa se dá em razão do estilo da presidência da Câmara que é exercida pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado do planalto.

Desde o início de sua gestão mostrou um comportamento autoritário e de pouca disposição ao diálogo com seus pares. Além disso, mudou regras regimentais que trouxeram maior poder para o plenário, de modo que ele pudesse ter mais controle sobre o processo legislativo.

Lira também é o responsável por dar início ao processo de impeachment do presidente da república, em que pese a centena de pedidos apresentada siga aguardando um parecer seu, enquanto contemporiza e diminui a gravidade das falas e ações do presidente.

As mudanças trazidas nesse projeto de código vão ao detalhe e tratam de pontos bastante específicos, cujas modificações podem impactar de forma não esperada e tampouco planejada o processo eleitoral e, consequentemente, os representantes que serão escolhidos a partir das novas regras.

Podem, ainda, levar a uma perda da qualidade do nosso processo democrático – porque a democracia é sempre algo inacabado que vai se construindo – piorando a qualidade da representação política. Por exemplo, nesse projeto diminui a transparência no uso de recursos públicos durante a campanha e amplia a possibilidade de utilização destes.

Além disso, impede a divulgação de pesquisas eleitorais dois dias antes do pleito.

O senado resiste em aprovar tamanha mudança até o dia 02 de outubro, data limite para que as mudanças possam valer para as eleições de 2022, o que não significa que não possa mudar de postura nos próximos dias.

O que preocupa é que, num momento de instabilidade política do país, no qual o processo eleitoral é questionado por setores da população, principalmente aqueles que apoiam a atual gestão da presidência, sejam tomadas decisões sensíveis e que sejam difíceis de serem revertidas num futuro próximo, ou também que seja difícil de avaliar qual é a origem do impacto causado, dado o volume de alterações de uma só vez. Assim, se o que assistimos no presente já parece bastante ruim, nada garante que novas regras não possam piorar ainda mais o desenvolvimento da democracia no país.

Arthur Spada

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