Coletivo Indra

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Olhar e limpar

No Japão, as últimas semanas são dedicadas a um ritual nos templos budistas e casas chamado Osoji (大掃除), a Grande Limpeza. Até aí, nenhuma novidade no cotidiano dos brasileiros no fim de ano, adoramos limpar a casa para receber as visitas e jogar fora aquilo que não serve, circular energia, trazer novas atmosferas, mudar os móveis de lugar, comprar roupa branca para o ano novo e uma lista de coisas. Vivemos em resquícios do taoismo (filosofia chinesa milenar) e nem sabíamos.

Usamos, e gostamos, das limpezas como um meio de reorganizar a vida. Nos templos budistas, como o nosso nesta quarta-feira, a ajuda vem dos devotos junto aos monges varrendo naves, lavando janelas, subindo escadas, reorganizando coisas. O senso de coletividade permeia a sociedade nipônica e baliza uma sociedade hierarquizada. Eu gosto de limpar minha casa, ponho meus pensamentos em ordem, a casa é uma extensão da minha mente.

Mas quero trazer duas frases para apimentar minha provocação com vocês:

Quem dorme com os olhos dos outros, não acorda na hora que quer.

Socióloga Vilma Reis

As coisas não são como eu vejo, mas como eu sou.

escritora francesa Anais Nin

E qual a relação da limpeza de fim de ano com essas frases?

Pelo prisma do budismo, somos construções articuladas e constantes desde os primeiros instantes de vida, uma teia de interconectividades, por olhares, conceitos, falas, muitos capturados de outros e que estabelecem um eu. Nesse ponto Shakyamuni nos alerta que a vida é semelhante a um sonho ou ilusão e a grande rede de Indra. O Buda diz ainda que o homem é constituído de tal maneira que sua condição gera conflitos, descontentamento, ansiedade e que as fortes raizes da avidez, ódio e desilusão que lhe sustentam a propensão para a ansiedade, só serão completamente acalmadas e eliminadas com a erradicação total dos cancros morais e o atingimento do Nirvana (a extinção dos conceitos, dualidades), como explica uma das maiores referências de budismo,  o filólogo Nissin Cohen.

Então, Nirvana e Samsara (o mundo da dualidade, tormentos, desejos) não estão em oposição, mas em simbiose assim como o lótus branco nasce límpido sobre a água sem as manchas do lodo. A limpeza dos ambientes budistas e caseiros são os mesmos da mente e se fazem em exercício de Atenção Plena constante, de forma a depurar os olhares alheios que delimitam o mundo o qual experimentamos e corroem a ponto de não acordarmos quando desejamos. O ser humano é a única espécie que provém a capacidade mental de imaginar coisas e contar histórias que não existem de fato. E construímos a realidade pela experiência humana.

Meu post será curto, mas denso. Essas duas frases me inquietaram em reflexões este ano e quero que você esteja comigo nesse desassossego...

Os seres viventes são originalmente Budas,

São como a água e o gelo; 

Assim como não existe gelo sem água, 

Também não existe Buda fora dos seres viventes.

Zazen Wasan Mestre Hakuin (séc. XVII)

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Rev. Jean Tetsuji釋哲慈

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