Coletivo Indra

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Os grandes empreendimentos pessoais

Para começar, o que chamo aqui de grande empreendimento pessoal é, aquele projeto de adotar um bichinho; iniciar algum tipo educação alimentar (não necessariamente com foco em emagrecer); dedicar-se a escrever um livro; manter um blog; aderir a prática de algum exercício físico; empenhar-se a cuidar de plantas; visitar idosos em asilos; debruçar-se ao estudo de algum tema específico; percorrer o caminho do autoconhecimento através de uma psicoterapia; ou seja dar início a uma nova prática que a depender dos futuros procedimentos poderá se tornar mais uma rotina.

Os chamo de grandes na intensão de que esses empreendimentos existam em nós não por meio de uma obrigação, mas sim pela sintonia e afinidade que temos com determinadas práticas, e sobretudo como elas nos fazem sentir ao serem realizadas.

Alguns dos exemplos citados podem aparentar serem simples, outros talvez sejam vistos como mais complexos. Obviamente isso irá variar de acordo com o observador, no entanto nada é tão simples que não seja requerido algum tipo de mudança ou a reunião em si de recursos necessários para sua concretização.

E mesmo o que atestamos como complexo tem seu espaço conquistado entre as realizações possíveis. Agora se pudermos nos colocar na perspectiva de quem tem apenas a ideia, pergunto, qual projeto, qual desejo, qual querer guarda em teu peito? Aquele que talvez esteja aí já faz algum tempo e por algum motivo ainda não se iniciou, ou supostamente ainda não se iniciou.

O que venho dizer é que, o que chamamos de início pode ser apenas mais uma das partes que compõem o processo como um todo, o projeto se inicia antes de iniciar (risos). Explico, quando remotamente surge em nós a ideia de fazer algo, esse projeto já se iniciou, ou quando em algum momento de nosso passado uma experiência dará abertura para que brote essa ideia, esse projeto também já se iniciou só não nos demos conta ainda.

É como a semente a germinar: não se pode vê-la, mas bem ali coberta sobre algum punhado de terra, silenciosamente, ela está a brotar. No caso da semente, o que proporciona isso é basicamente água, oxigênio, temperatura e luz, atendendo as condições ideais eis que temos algo aí.

Vamos pensar um tanto sobre algumas das condições que vivi a alguns anos atrás quando percebi um certo desejo em mim, recordo de quando me dei conta da vontade de transitar pela cidade de bicicleta, ir e voltar do trabalho em um outro tipo de transporte ao tempo que também me exercitava. O simples fato de me imaginar já fazia com que me sentisse voando livre, uma memória afetiva vinda lá de minha infância. No entanto em meus lapsos de realidade comecei a considerar as muitas variáveis para que eu pudesse concretizar aquele querer, como o fato de não ter ainda uma bicicleta e não possuir naquele momento grana suficiente, nem mesmo para uma usada. Outro fator era o longo tempo que não andava em uma bicicleta pelas vias da capital baiana (inseguranças), com todas essas questões eu me perguntava com certo tremor no estômago se eu conseguiria concretizar o desejo de circular pela cidade em uma bicicleta, sobretudo, se conseguiria me adequar a essa dinâmica das ruas. 

Essa dose de realidade foi essencial, ter noção do contexto me proporcionava uma percepção ampliada para identificar em qual lugar eu me encontrava, onde queria chegar e o que era preciso ser superado, sendo que nesses quesitos envolvia sentimentos/emoções (como o medo das vias) e questões materiais. Assim sendo, meu primeiro passo foi ter a bicicleta, afinal não tinha como saber como seria no trânsito sem uma. Um outro fator surgiu no intervalo entre o desejo e a realização. Eu havia me mudado de bairro e me encontrava muito mais distante do trabalho, assim, o objetivo de me locomover cotidianamente pela cidade ficara ainda mais desafiador.

Comecei então a refazer caminhos na memória de situações outras onde angariei algo em minha vida, notei que quase sempre o que eu imaginava era diferente da realidade, de como a experiência de fato se dava, então comecei a colocar a situação atual no campo da possibilidade, admitir que os meus receios eram possibilidades e não, ainda, realidade.

Desse modo, a realidade poderia se dar de maneira totalmente oposta ou no mínimo diferente do previsto. Outra noção foi a de que, como no primeiro momento algumas coisas eram mais densas e depois de algum tempo praticando eram assimiladas e se tornavam comuns, acomodadas, então tive também a noção de que inicialmente poderia ser complexo esse enfrentamento das ruas; a distância a ser percorrida, mas que em algum momento era provável que fosse dissipado (ou não).

Agora pois, sinto que o que menos importa é se eu consegui ou não, e sim o fator simbólico composto por essa história, a figura da bicicleta agora toma tantas formas quanto possíveis à metáfora! Quais seriam as vias que te amedrontam? Qual seria simbolicamente tua bicicleta? Quais seriam as condições ideais? Conhecemos nossos próprios movimentos de realização? Em quais circunstancias costumamos conseguir e em quais não conseguimos? Como é que nos sentimos/pensamos/agimos a cada conquista ou a precede-la?

Para quem está curioso para saber os desdobramentos.  Sim, eu consegui! Hoje é solidificado e acomodado em minha rotina andar de bicicleta por aí, inclusive sabendo um pouco sobre as leis de trafego e equipamentos necessários. Descobri que é possível empreender desejos!

Jéssica Santos

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Jéssica Santos, 30 anos, formada em psicologia

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