Coletivo Indra

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Os protocolos médicos X pacientes: que decisão tomar?

Michiel Jansz van Mierevelt - Anatomy lesson of Dr. Willem van der Meer

Nestes meus quarenta e quatro anos de medicina, desde minha residências em hospitais do Rio de Janeiro, depois em outros lugares que trabalhei e somado aos anos de consultório, algumas vezes me deparei com uma pergunta, que também vi colegas se questionarem. Se diante um caso de emergência, onde temos que tomar uma decisão urgente, devemos seguir protocolos e evidências ou usar da nossa experiência e levar em consideração o paciente e suas causas e condições?

Diante das vezes que passei por isso, minhas reflexões me levaram a pensar que os médicos não devem abrir mão de sua experiência e observação e fazer algo que cause dano a seu paciente. Me baseio em um conceito que diz: respeitar a máxima Primum non nocere ou primum nil nocere. Este é um termo latino da bioética que significa "primeiro, não prejudicar", também conhecido como princípio da não-maleficência.

Este é o princípio central da prevenção quaternária, que serve para evitar iatrogenias (mal causado em decorrência de tratamento). Assim, esse princípio ressalta que todo tratamento possui riscos, que exames e terapias menos invasivas e mais econômicos devem ter preferência, que não se deve exagerar nos pedidos de exames nem nas prescrições de terapias medicamentosas.

Estima-se que 8 em cada 100.000 mortes anuais são por erro médico, sendo 70% dessas são possíveis de ser prevenidas e que 13% das consultas médicas em hospitais são motivadas por efeitos indesejados do tratamento. Ou seja, outras doenças e outras reações são desencadeadas por medicamentos e procedimentos em excesso.

Podemos dizer que a iatrogenia piorou no século XX, particularmente a partir das duas últimas décadas do século passado, quando o ensino na escola migrou da clínica para a tecnologia. Os médicos abriram mão de seu diagnóstico clinico e foram para pedidos de exames em excesso, prescrição excessiva de medicamentos que por seus efeitos colaterais agravam mais a doença, pois em cima da doença natural se assenta uma outra doença artificial. Esta doença artificial passa a ser incorporada àquele organismo e o paciente não percebe mais o que é dele ou do medicamento.

Os processos de decisão médica tomam um suporte cada vez maior na tecnologia, na racionalização e padronização. Os modelos clínicos foram substituídos por modelos de probabilidades. Se afastam das anamneses aprofundadas, acompanhamento e avaliação humanizada do paciente. A ciência médica começou a padronizar para resolver os problemas da clínica. Da clínica, passou-se a estudos, a revisão de literatura, raciocínio epidemiológico e medicina baseada em evidências e protocolos médicos científicos.

Por este raciocínio imposto, começaram a usar as probabilidades, a repetição dos fatos: o famoso “pete repete”. Nesta probabilidade, entram os riscos e benefícios do procedimento estabelecido e padronizado para aquele evento. Diante da tomada de decisão é preciso que haja uma escolha do médico para que estes eventos possam ou não ocorrer, baseada em sua experiência e observação do seu paciente.

Apesar de outras ciências médicas aparecerem até o século XX, a medicina continua sendo a materialista, onde o que vale são as alterações orgânicas. O corpo é reduzido a uma máquina. Como se fosse o protocolo de um mecânico que aprende a trocar parafusos. A doença  é localizada, fragmentada, buscada na intimidade microestrutural dos tecidos, a nível celular e molecular. 

A moderna biologia, amparada nos conceitos da física quântica, não descreve mais os seres físicos como um "amontoado de átomos e moléculas agindo determinística e aleatoriamente". Ela descreve os seres vivos como sistemas bioenergéticos, dotados de capacidade analítica e de biofeedback, agindo sincrônica, harmônica e relativisticamente.

Não há como negar que a incorporação da tecnologia à medicina trouxe consigo um processo de desumanização, de despersonalização, em que o médico quer saber da doença, mas muito pouco da pessoa doente. Então, é preciso pensar que não podemos tratar doenças, e sim doentes. 

Como um médico pode predizer o que vai acontecer com aquele indivíduo? Baseado em um protocolo? Se somos seres que temos cada um uma individualidade e um organismo que pode reagir a este evento de uma forma favorável?

Importa o protocolo ou o paciente que não manifesta sintomas evidentes? A clínica é baseada em sinais e sintomas, não em protocolos! 

Hipócrates, pai da medicina, falava da “vix medicatrix naturae”: admitia a possibilidade de que o próprio corpo biológico busca o seu caminho de volta à normalidade.

Ele nos ensina sobre o conceito de totalidade da medicina, ao considerar o estado patológico como fenômeno geral e os sintomas locais como manifestações secundárias. Não existem doenças e sim doentes. Tratamento do todo = equilíbrio das partes : similia similibus curentur _ 

Com certeza todos os médicos fazem o juramento de Hipócrates em sua formatura, mas nada disso lhes é ensinado, por aprendemos a medicina de Galeno: contraria contrarius curentur. Já Samuel  Hahnemann, grande médico que sistematizou a Homeopatia nos fala em seu Organon da Arte de Curar:

“ No estado saudável do homem a  energia vital age de forma autocrática  como motriz dinâmica do corpo material– conforma e mantém todas as partes de forma harmônica durante a existência em sentimentos e ações, de tal forma que o nosso  espírito inteligente  pode se servir desse instrumento livremente para realizar seus mais altos fins da existência”

Como Hahnemann cita, já não podemos mais tratar somente as doenças, mas o doente, procurando abarcar sua realidade em uma total dimensão, porque o ser humano não e só um corpo biológico, mas sim um organismo dotado de razão.

Onde o médico se afastou da sua prática e humanidade para se proteger atrás de um protocolo? Se aplicar protocolos é o que precisa ser feito poderemos substituir médicos por técnicos em medicina? E o paciente que é medicado se defende como? Como se proteger destes excessos? Assustam tanto o paciente, que se ele não tem a quem recorrer, acabam deixando aplicar este procedimento, porque senão não será liberado do estabelecimento médico. Como fica a jurisprudência disto?

 “Seguir os protocolos e se basear em estudos científicos é uma exigência defendida como forma de tentar padronizar a prática e torná-la mais segura em benefício do próprio médico: Protege o médico mesmo que no Brasil essa coisa de processo, seguro não seja forte.”

Infelizmente pacientes são muitas vezes fantoches na mão de médicos, que se importam mais com seu EGO, a construção de seu nome do que com o paciente! Triste realidade da medicina atual. Creio que as academias de medicina são responsáveis pela criação deste olhar distanciado do "doente” e só voltado para a "doença", acabam criando mais "deuses para salvar vidas” do que seres humanos compromissados em curar outros seres humanos. É uma formação com um olhar torto para o "SER” que está na sua frente, ele não pode ser um amontoado de números e evidências que vão comprovar um protocolo, ele precisa ser visto como um todo e ser acolhido na manifestação sobre o que lhe adoece.

“O que se deve curar em um enfermo, não é a sua enfermidade atual, senão, a sua própria situação interna, profunda, pessoal, que condicionou suas manifestações patológicas atuais”.

  Tomás Pablo Paschero.

Hayde Haviaras

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