Coletivo Indra

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Ouvir os mais velhos: um exercício de lucidez na pandemia

Viver no Brasil está cada vez mais difícil.

Incrédula olho as notícias e respiro bem fundo para equilibrar meu ori (cabeça). Qualquer coisa que eu escreva nesta coluna parece fútil diante dos atuais 87 mil mortos por Covid19. Mas eu ainda tenho esperança na Vida. E por isso, hoje, quero falar de algumas lives que assisti nas duas últimas semanas e que me nutriram da lucidez do que é se viver em 2020 pandêmico na desgraça coletiva brasileira. 

Não à toa, todas as falas saem de pessoas com mais de 70 anos de idade. Importantes intelectuais que já viveram suficientemente para entender a grande luta da Vida. Fundamento-me, portanto, no valor afro-civilizatório da senioridade. Uma máxima africana que aprendi na vivência do candomblé: “antiguidade é posto”. Esse princípio me ajuda a ser paciente com as minhas aprendizagens e a respeitar o tempo do conhecimento alheio. Gosto também de saber que é um princípio dinâmico, já que todos passam pela experiência do início, meio e fim, embora, parafraseando o filósofo quilombola Nêgo Bispo, a vida seja “início, meio e início”.

Começo com a ex-presidente Dilma Rousseff, no “Festival do conhecimento” da UFRJ, que falou sobre capitalismo, tecnologia e inovação, quarta revolução indústrial/tecnológica e, principalmente, nos alertou sobre o perigo da internet das coisas em um mundo cada vez mais neoliberal. Dilma é a mulher que teve coragem de comandar a desgraça coletiva nacional e, talvez, como preço de sua audácia, tenha sofrido o impeachment. A sua senioridade na política faz com que as palavras soem como uma biblioteca. 

No mesmo evento, dias depois, o grande Muniz Sodré, professor Emérito da UFRJ, trouxe uma fala profunda, crítica e filosófica sobre a necessidade de repensarmos essa agenda ocidental destruidora de mundos. Eu sempre me impressiono quando ouço ou leio Muniz Sodré. Sua erudição é impressionante e a minha admiração pelo seu conhecimento é enorme. Em determinado momento, o professor falou sobre a importância de hoje, novas gerações de intelectuais poderem falar e se dedicar a temas não ocidentais a partir de outras agencias. Eu acho que ainda tem muito a percorrermos, mas sem dúvida Muniz Sodré está entre os que cavaram essa estrada que hoje caminhamos.

Também não posso deixar de falar da live do professor e intelectual cubano Carlos Moore sobre Racismo e Sociedade conectando com a nossa realidade de pandemia, promovida pela Editora Nandyala. A precisão de sua análise sobre os negros na Amérikkka, na África e no mundo foram tão profundas que continuo pensando nisso. Carlos Moore afirmou que estamos vivendo um racismo global, que se construiu a partir da união de vários racismos de diferentes locus culturais.

O que faz bastante sentido quando percebemos que a dinâmica ocidental é apropriadora e universalizante. Então, em escalas globais, pessoas negras sentem o impacto do racismo em qualquer lugar que se encontrem. 

E termino com a maravilhosa Sueli Carneiro que, na live promovida pela Companhia das Letras em comemoração aos seus 70 anos, nos lembrou das lutas seculares das mulheres negras e, com a sábia dureza afetuosa de sua voz, nos alertou que estamos vivendo um agravamento sem precedentes da nossa desumanização. No encontro, Sueli também falou da luta do Movimento Negro em fazer constar como população afro-brasileira as pessoas negras e pardas e pontuou o quanto a discussão imatura e irresponsável sobre colorismo age como um retrocesso na pauta.

Faço uma menção honrosa à Monja Coen no festival Amor em Pauta do Instituto Amuta, que nos presenteou com uma profunda fala sobre o Amor e a liberdade de amar. Necessário nesses dias de frustração e cólera. 

Assim sigo. Firme e acreditando no amanhã. Me nutrindo da senioridade de quem veio antes, acumulou memórias e experiências e possui a generosidade em compartilhar pra quem quiser ouvir. 

Aza Njeri

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