Coletivo Indra

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Paternidades - A Ressignificação de Ser Pai

Imagem Soosh

Pai,

Pai.

Comecei a ler o livro-memória do Trevisan (o filho) faz alguns dias. Mas a representatividade que esse título carrega tem dominado meus pensamentos há muito tempo.

Ano passado, no meu aniversário de 27 anos, descobri como pareço com o meu peixe e escrevi sobre isso num texto publicado na Revista Pólen (encurtador.com.br/bnpAR). Não podia ser egoísta e guardar essa verdade em mim. O auto-conhecimento que me permiti fazer pode ser o estímulo que falta para o rito de passagem de outro filho, outro pai.

Na fenda entre o passado e o presente nos relatos do João Silvério, li a biografia Belchior. Ao mesmo tempo em que fui apresentado a sua genialidade, o Jotabê Medeiros me revelou o pai ausente que o rapaz latino-americano fora. Na trilha sincrônica do acaso sob o disfarce do algoritmo, li uma matéria da jornalista Helô D’Angelo no blog “Eu, Tu, Elas” (encurtador.com.br/abdU0) que com rara coragem questiona o poder da sociedade machista em estancar o sangue silenciando a ferida.

Genial na sua arte, um fantasma na vida de outras pessoas.

TUDO e NADA caminham lado a lado.             

Morta

Menina

-

O

Pai.

Ao fincar os pés na areia movediça do talento caótico de um controverso pai-morto-artista, fui tocado pela solitude de uma pai que pelo caminho de uma escrita sentida tenta lidar cotidianamente com a perda da filha. A ausência não-cicatrizada de um pedaço de si tirado a revelia, contra a sua vontade, a favor do que se explica, mas não se entende.

Ler “O Pai da Menina Morta” é como cair numa vala funda de lembranças dolorosas, de um vazio que se enraíza lá dentro do peito e se mostra impossível de ser preenchido. O aposto que o Tiago Ferro carrega simboliza o fardo de um sentimento de culpa que não cessa, uma punição que aplaca, uma ferida que não cicatriza. Um apóstolo opositor que se opõe a crença da aceitação.                     

Comecei a escrever esse texto em maio, mês no qual se comemora o “Dia” das Mães. Afinal, é impossível falar sobre a figura do pai sem associá-la a maternidade e tudo que ela trás no primeiro plano da transcendente existência divina.   

Assim como a falta nos move, as nossas experiências - doces ou traumáticas - nos permitem ver por lugares antes inabitáveis, desconhecidos. A não-relação com meu pai, pai fez com que eu não apenas refletisse sobre o papel que um pai exerce na vida dos filhos. Tirar o estado paternal da imutável cartilha do patriarcado fez com que eu colocasse na ciranda o papel dos filhos e como a relação de afeto entre as partes é moldada por questões de ordem cultural, e principalmente, familiar.

A árvore genealógica faz com que as expressões ou a passividade de comportamento se aprisionem numa reprodução cíclica castradora, fria e machista. O choque geracional se sobrepõe às transformações do tempo na contemporaneidade de uma relação que se ressignifica a cada vez que nos deparamos diante uma situação de vulnerabilidade afetiva e referencial.      

Essa série de textos especiais (des)norteada pelas minhas referências artísticas e, claro, pela minha própria vivência como um filho que, sim, espera ser pai um dia, tem como função ouvir as duas vozes do espelho num diálogo aberto e afetivo. Aquecer essa relação fala-escuta é um convite para transgredir a paternidade.

Provocado pelo quebra-cabeça imagético da literatura, pela sequência eternizada de um filme ou pelas amarras isoladas dentro do peito, o ser pai além da contribuição genética do gozo será debatido, questionado, repensado. Quanto mais isso acontecer menos será a probabilidade da palavra PAI se resumir a concessão de um espermatozoide e a representação de um sujeito inexistente.    

Felipe Ferreira

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