Coletivo Indra

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Paternidades - O novo homem paterno

Foto: Nat Brasil

Minha mãe, Dona Ana Lúcia, assim como a maioria das mulheres, carregou o peso da maternidade sozinha. Amamentar, dar banho, trocar fralda, vigiar o sono, estar sempre em estado de alerta, perder noites. A lista de responsabilidades é enorme, e culturalmente, uma incumbência exclusivamente feminina. O pai pode se fazer presente e estar pronto para dar um suporte, uma ajuda, mas é raro ele assumir com equidade o protagonismo seja na descoberta da gravidez ou no puerpério.

NÓS, HOMENS, NÃO DIMENSIONAMOS O QUANTO ESSE MOMENTO É CONTROVERSO NA VIDA DELAS. 

A passividade da figura paterna não é restrita aos primeiros dias após o nascimento do bebê. Fragilmente justificada por uma lei machista que resume a licença paternidade em 20 dias (antes eram 5), o pai pouco acompanha a evolução gestacional da companheira, e a ausência prevalece nas etapas subsequentes. Não a toa é nessa fase que o sentimento de solidão aflora com maior intensidade e casos de depressão pós-parto e outras doenças emocionais e psicológicas são diagnosticados com maior frequência.

Uma atuação mais participativa não significa dizer que o pai deve colaborar apenas nos afazeres diários. Incluí-lo com afeto e empatia na vivência materna é um convite a repensar e deslocar a paternidade da confortável zona de coadjuvância na qual foi desenhada durante séculos. Fazer com que eles vivenciem essa condição por uma prática mais integral e sensorial até o crescimento da criança faz com que o “ser pai” seja visto por uma nova perspectiva capaz de construir um diálogo construtivo e referencial que entende e respeita a importância de cada um desses papéis no mar de calma e tormenta que é criar um filho.

Hoje os pais preparam as mamadeiras, trocam fraldas (inclusive alguns estabelecimentos como o restaurante Casa Di Vinna, aqui em Salvador, já possuem um fraldário masculino), ninam as crias no colo, estão abertos a escuta, compartilham os percalços da paternidade e trocam experiências uns com os outros.

Nesse cenário de constante descoberta, o Homem Paterno, projeto desenvolvido por Tiago Koch, naturólogo e pai da Iara, colabora para para transformar o entendimento e o exercício da paternidade. Eu conheci o projeto na pesquisa de criação desse especial e convidei o Tiago para falar um pouco mais do “HP” e de como é ser pai nos dias de hoje. Nessa entrevista ele mergulha na sua própria desconstrução de homem, de pai, e nos mostra que onde há amor, há esperança.      

Foto: Ian Leite

O HOMEM PATERNO POR TIAGO KOCH

I- Quando você se viu nessa condição de paternidade ativa/afetiva e o que te levou a compartilhar essa experiência com outros homens através do projeto “Homem Paterno”? 

Lembro que quando vivenciei a gestação junto a minha parceira, me deparei com um cenário onde existiam pouquíssimos conteúdos que falassem sobre o lugar do homem durante o todo o processo da gestação, parto e puerpério. Tudo era voltado para a mulher, escrito por mulheres e para mulheres, o que faz todo sentido, afinal a gestação é um evento feminino. O que não fazia sentido é não ter nada para o homem, nem conteúdos, nem espaços e nem profissionais que olhassem para o homem de forma profunda durante esse momento. Dúvidas, anseios, medos, o que fazer, o que não fazer, nada e ninguém falava comigo, numa linguagem para o homem.

O Projeto Homem Paterno nasceu dessa necessidade individual durante a gestação e que se estendeu até o puerpério, um outro momento onde o conhecimento é extremamente importante para passar pelos desafios de uma forma mais leve. Identifiquei que havia uma lacuna, um espaço vazio, no qual ninguém estava olhando e atuando.

II - Construir laços entre pais de diferentes realidades é uma maneira de quebrar as linhas machistas que reprimem o papel social do pai? 

Com certeza, e os grupos de pais/homens são importantíssimos para o entendimento sobre as diversas realidades e suas complexidades. Tanto nos cursos quanto nas rodas de pais que facilito, a diversidade de realidades e histórias acaba sendo uma das principais ferramentas para a ampliação da nossa visão enquanto homens sobre diversos temas, incluindo o machismo e o feminismo. Mas o que acho mais incrível, é ver homens entendendo a força e eficiência de um homem apoiando outro homem emocionalmente, com entrega e empatia, sem julgamentos. Isso sim é transformação. Costumo dizer que paternidade não é somente sobre formas de relacionar com os filhos, para mim paternidade é uma nova forma de se relacionar com o mundo. 

Foto André Luis

III- No lugar de fala do Tiago Koch pai, naturólogo e homem em contínua desconstrução, o que é ser um homem paterno?    

Costumo dizer que antes de sermos pais somos homens, e olhar para a nossa construção enquanto homem é o primeiro passo para a paternidade. Nesse sentido, ser um homem paterno é estar disposto e aberto para acolher as  novas demandas e transformações individuais e coletivas advindas desse novo papel. É despertar para algo que não nos foi ensinado, é despertar para o CUIDADO, para SER CUIDADOR. 

Foto André Luis

IV - Ser pai foi uma das inspirações para plantar e cultivar essa semente? 

Tenho algumas referências paternas no qual me inspiram, como meu pai biológico, meu padrasto (no qual chamo de pai) e meus avôs. Olhando para essas referências, trago fortemente um sentimento de gratidão por todo amor e dedicação que todos me ofertaram, entendendo que fizeram o possível para aquele momento. Hoje tenho clareza do que foi positivo, do que quero replicar, mas também está claro o que não quero replicar. O que desejo replicar? O que não quero replicar? Essas são perguntas essenciais e que são norteadoras no meu processo de paternidade.

V - Como esse ressignificação da condição paterna transforma o sentimento e a prática masculina antes e depois do parto?   

Acho que essa ressignificação traz ao homem um novo papel enquanto ser humano. Estou falando da possibilidade em despertar para a empatia, para a escuta, para o acolhimento, para o afeto, coisas que vão muito além do papel de provedor financeiro. Mas acho importante dizer que é um caminho que pode ser dolorido, afinal estamos falando em desconstrução de padrões e verdades que estão sendo replicadas a séculos, ou seja, não será de um dia  para o outro e lendo um texto que as coisas irão mudar e serão incorporadas. Necessita dedicação, resiliência, necessita enxergar a paternidade e todas suas complexidades como prioridade, em todas as fases, tanto antes quanto após o parto.

III- O “Homem Paterno” tem como pilares o Conhecimento, a Empatia, o Amor e a Comunicação. Através desse quadrante a vivência coletiva do projeto propõe um caminho de alcançar uma paternidade integral que tire a mulher do isolamento naturalizado do período gestacional? Orientar e conduzir os homens à uma paternidade mais participativa e empática é uma forma de atenuar o peso da maternidade historicamente imposto às mulheres?    

Foto André Luis

Sim, acredito fortemente nesses pilares como norteadores para equilibrar o peso da maternidade, que indubitavelmente é muito pesado, tanto durante a gestação, mas principalmente no puerpério. Levantar a bandeira da paternidade integral é levantar uma bandeira contra os números alarmantes de crianças sem pais (5,5 milhões no Brasil) e violência contra crianças e mulheres. É levantar a bandeira da equidade, de amor e de respeito.

Felipe Ferreira

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