Pílulas de Liberdade
Neste dia 4 de fevereiro um deputado Marcio Labre (PSL-RJ) apresentou na câmara um projeto de lei que proíbe o uso de pílulas do dia seguinte e DIU, tanto distribuição nos postos de saúde, como prescrição médica e venda. Ao ver a matéria no Twitter eu quase caí da cadeira, no mesmo instante comecei a procurar mais sobre o assunto e quem era este deputado. As coisas só foram piorando ao ler as alegação dele: “depois da concepção o corpo não é mais seu” (mulher), respondeu no Twitter quando provocado. E alega que estes dois contraceptivos são abortivos, pois não deixam o espermatozoide chegar ao óvulo e isso “não é de Deus” alegando ser do movimento “Pró - Vida”.
Questão difíceis e misturadas:
1 - inconcebível aceitar um homem legislando sobre direitos e deveres da mulher.
2 - A mistura de ciência em nome de Deus,
3 - A discussão sobre a legalização do aborto é muito grande, precisa passar por questões de saúde pública e ser avaliado por mulheres, na minha opinião. Não pela bancada BBB (Bala, Bíblia e Boi) os olhos do movimento “Pro - Vida”.
Mas depois de ler sobre tamanha ignorância deste parlamentar eleito, porém, que está em harmonia com a ideologia da sociedade neste momento, algo maior me salta a mente. Um projeto de lei que “pensa” em proibir o uso de contraceptivos é sim um projeto de lei que fere a dominação do território do corpo feminino. É se intrometer e regular a liberdade sexual das mulheres, pois tal liberdade impacta em questões sociais, mercadológicas e por consequência econômicas.
Nos anos 60 acontece o surgimento da pílula contraceptiva possibilitando a liberdade sexual das mulheres, uma época marcada pela entrada de mulheres (as que tinham acesso) nas universidades. A feminista Margaret Sanger procura o biólogo Gregory Goodwin Pincus com a idéia de criar um remédio que pudesse dar às mulheres o poder e a autonomia sobre seu corpo, ou seja, ter ou não filhos. Pincus acatou a ideia e seguiu com a pesquisa às escondidas, pois o uso de contraceptivos ainda era tido como ilegal na época. Anos depois a primeira pílula surgiu, e apesar de muita relutância da igreja e da própria sociedade, foi legalizada.
Em 1970 já eram 6,8 milhões de pílulas anticoncepcionais vendias, em 1980 subiu para 40,9 milhões. De acordo com o Comitê Científico do Centro Latino-americano Salud Y Mujer os países que mais consomem pílulas na América latina são Uruguai, Brasil e Chile. Usar contraceptivo virou uma questão de direito que envolve questões de saúde da mulher e questão comportamentais, como possibilitar a mulher de controlar e planejar sua maternidade, sua entrada e manutenção no mercado de trabalho. É uma questão de autonomia.
Nós mulheres, nunca fomos estimuladas em nossas casas e educação a exercermos nossa liberdade sexual, nunca incentivadas a ter mais de um parceiro, seja naquele momento ou na vida, a escolher com quem queremos ou não exercitar o nosso prazer. Ao contrário dos homens criados ao nosso lado, estimulados e premiados com frases: “pega geral”, “o cara é bom”, “tem camisinha no seu quarto". A liberdade sexual sempre nos fora apresentada como tabu para não “ficarmos falada” perante a sociedade: “que horas você volta pra casa?”. Este é sim um comportamento moral que nos impede e traumatiza perante nossos desejos, prazeres, fantasias e principalmente nos afasta de conhecermos e escutarmos nossos corpos e respeitá-los. Pois nos é vendida a idéia de que somos escolhidas e não que podemos escolher, nosso corpo está na vitrine a venda, “não é nosso”.
Além de todo o tabu sobre menstruação que já escrevi por aqui.
Estamos longe de ter uma educação sexual sem questões morais e religiosas como fundamento, que leve para reflexões mais importantes como saúde sexual, escolhas sexuais como construção de um indivíduo e o auto conhecimento de seu corpo. Ainda somos uma sociedade que prega “meninos podem transar com muitas meninas e meninas não podem transar com muitos meninos”, ainda estamos sob os rótulos ideológicos do “azul e rosa”. Por isso tantas dificuldades de lhe dar com as diversidades sexuais aflorando.
No dia 6 de fevereiro, este senhor que defende que não temos propriedade sobre nossos corpos, através do seu gabinete e assessoria de imprensa comunica a retirada da tramitação do projeto para melhor avaliação da proposta. Creio que devido as milhares de manifestações e burburinhos e a grande repercussão negativa. Porém apesar da loucura proposta me faz pensar que ela está alinhada e em harmonia com os propósitos ideológicos desta sociedade conservadora e com tendências teocráticas, que reforça o “lugar da mulher” perante a família tradicional brasileira. Não me soa estranho querer proibir a venda e uso de contraceptivos como uma forma afrontosa de ameaçar a liberdade sexual das mulheres e o domínio do território de seus corpos, faz parte de um projeto de poder em exercício.
Gaby Haviaras
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