Professora, eu posso ir ao banheiro?
Me lembro muito dessa pergunta, nos idos anos 80/90. Quando eu, criança, adolescente, levantava a mão constrangida no meio da aula pedindo pra ir ao banheiro. Muitas vezes, esse simples pedido, que nem era ouvido pelos(as) outros(as) colegas, na minha vez se tornava uma diversão:
– “vai fazer xixi sentado ou em pé”?, “vai no banheiro de guri ou de guria”?
Me lembro quantas vezes cheguei ao ponto de quase me urinar na roupa com medo de pedi pra ir ao banheiro. Medo esse que ás vezes (mais de uma, duas que me lembro) tinha muita razão de ser. Lembro de uma vez que tomei um soco no estômago por estar, segundo ele, olhando demais pra ele no banheiro. Outra vez foi o contrário, o menino mostrou sua genitália me oferecendo como se eu quisesse ou estivesse ali pra isso.
QUANDO, DEPOIS DA TRANSIÇÃO, COMECEI A USAR O BANHEIRO FEMININO, OS CONSTRANGIMENTOS NÃO PARARAM NÃO.
Comentários do tipo:
- “ah tu não precisa papel né, tu tem p**”!, ou “agora é essa palhaçada, tá na hora de inventar um banheiro pra essa gente”...
Ledo engano pensar que isso mudaria. E lá me vi, mais uma vez evitando de ir ao banheiro pra não ter de passar por esse constrangimento. Pensem bem caros leitoras: eu tenho que evitar ir ao banheiro porque tem pessoas que pensam que o fato de eu estar lá é pra fazer outra coisa que não necessidades fisiológicas.
Que mente doentia é essa? Que, ao certo, pensa nisso e tem essas vontades, por isso pensa num tipo de comportamento como esse?
Analise friamente esses perfis dessas pessoas que pensam e vociferam não permitir nossa entrada, em redes sociais ou onde for possível e descobrirás: defensores da moral e bons costumes, que aliás, eles pregam mas não usam. Eu, nunca em minhas fantasias sexuais mais estranhas, pensei em outra coisa que não ir ao banheiro fazer o “numero um" e/ou o “numero dois” (que engraçado já vi figuras públicas assim denominadas e sempre ligo tais figuras com escatalogia *risos*). Sou uma mulher trans, não um um tipo de tarada serial killer das privadas e cabines de banheiro!
Impossível não lembrar, de um relato de uma amiga trans que me contou ter adquirido um problema urinário, de tanto segurar o xixi, na faculdade onde estudava. Ela, já transicionada, era hostilizada de usar o banheiro feminino, e sofria violência no banheiro masculino (o qual não faz sentido algum de ela frequentar, afinal, mulher usa banheiro feminino.
Resolvi tocar nesse assunto, claro em virtude do episódio sofrido por uma mulher trans num shopping. Lástimável, triste, chocante, mas não incomum no nosso meio a violência, o escárnio e a negação do direito básico : fazer as necessidades fisiológicas.
Na sua casa tem um banheiro só e você não é impedido de entrar né?? Certamente porque na sua casa você, embora numa ambiente só seu se comporta em algumas situações da maneira que deveria se comportar nos ambientes coletivos: agindo da maneira correta.
“Tá Valéria, mas qual a solução pra isso?”
A solução é vá ao banheiro só pra fazer xixi e cocô. E antes de mais nada responda mentalmente essas perguntas:
- eu vim fazer o que aqui? Se a resposta for xixi e cocô tá certo, outra tá errado.
-eu já fui impedida de entrar nesse banheiro? Se a resposta for sim, proteste, se for não faça xixi e coco e saia.
- "Uma mulher trans no banheiro feminino, essa pessoa vem fazer o que vai fazer o quê"? Essa eu respondo : xixi e cocô.
-"Mas eu não me sinto a vontade".. Procure um médico que cuide de bexiga e intestinos se o problema for fisiológico, ou psicólogo se o problema for outro.
Banheiro é pra fazer necessidades, e nós mulheres trans sabemos disso, e por mais incrível que pareça, usamos o banheiro pra isso.
Se você acha que usamos pra outras coisas. O problema é seu e não nosso, e neste caso a ameaça é você!
Valéria Barcellos
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