Quem você é quando se olha no espelho?
Na semana da mulher William Vohrees dá lugar de fala para Ninna Tomaz, apresentando pra gente esta mulher andrógena, preta e poeta!
Há tantas vozes nos orientando, indicando o caminho a seguir e planejando o nosso próximo passo; que quase não sobra espaço para nossos pensamentos, quase não sobra espaço para nossos sentimentos.
Sinta, coma, seja, sirva, faça...
São inúmeros comandos e quase nenhum questionamento. Nossa voz se perde e vira um sussurro na gritaria; nossa alma vaga no escuro, e o espelho ás vezes funciona como algoz, e outras vezes como escudo.
Quem poderemos ser quando essas vozes se calam?
Quem queremos ser enquanto essas vozes falam?
Não é fácil ser mulher. Não é fácil ser mulher e negra.
É tão difícil ser as duas coisas que as palavras nem sempre se juntam, porque a luta é pra ser mulher e pra ser negra também.
Quando se bate no peito pra dizer “eu sou mulher” o coração vibra, e quando se bate uma segunda vez pra dizer “eu sou negra”, o coração se debate... mas felizmente não se abate.
Ser mulher é lutar contra a desigualdade, a difamação, o rotulo e o descaso; e ser negra é lutar contra o sistema, a marginalização, a desumanização e a violência de todos os lados e de quase todas as naturezas. É também aprender a se amar depois de odiar cada pedacinho em si e nem ter tempo de curtir porque vai ter que ensinar outra negra a se amar.
Ser mulher e negra é entender que enquanto mulher você ouvirá “você não é aceita porque você é mulher” e se indignará, e enquanto negra você ouvirá “vocês não são aceitos”, e fechar a boca sentindo o gosto amargo desse plural, enquanto vai embora com o dessabor dos que também estão em casa e vão lutar a mesma luta.
Ser mulher e negra é ver o olhar de cobiça do que te olha a bunda se transformar em desprezo quando te percebe a cor, é perceber que o amor que te admira na cama se encolhe quando te vê em publico, é saber que a boca que te elogia também é a boca que te discrimina...
Não vá, não faça, não conseguirá...
São tantas as negativas que a alma de asas vira ancora em segundos.
Quem você é quando se olha no espelho?
Quem você ainda consegue ser quando todas as vozes se calam?
Ser mulher e negra é aceitar que enquanto mulher você é flor desabrochando num vaso, e enquanto negra você arrebenta o vaso pra virar árvore. E é também saber que nessa transição, você é pessoa guerreira lutando sem trégua a vida inteira pra não perder a dignidade e a cor.
Ninna Tomaz
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*A pintura escolhida é Tereza de Benguela, uma líder quilombola que viveu no Mato Grosso do Sul. Sob sua liderança, o Quilombo Quariterê resistiu à escravidão por duas décadas, e sobreviveu até 1770. O Brasil ainda não comemora o Dia Internacional da Mulher Negra em 25 de julho. É preciso criar um símbolo para a mulher negra, tal como existe o mito Zumbi dos Palmares. As mulheres carecem de heroínas negras que reforcem o orgulho de sua raça e de sua história.
NINNA THOMAZ É MULHER ANDRÓGINA, PRETA E POETA QUE MORA EM SÃO PAULO. SEUS TEXTOS E FRASES FALAM SOBRE AMORES COTIDIANOS E SÃO POSTADOS EM FORMATO DE INSTA MINI-CONTOS NA INTERNET, E SUAS FOTOS RETRATAM CENAS ROTINEIRAS QUE ENQUADRAM PARTE DO SEU MUNDO EM PRETO E BRANCO.