Coletivo Indra

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Representatividade política e as jornadas de Junho

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No Brasil, o ano de 2013 foi politicamente muito relevante. As  Jornadas de Junho ou Manifestações dos 20 centavos trouxeram alguns impactos para o cenário político nacional.  Sem dúvida, vale ressalvar que não podemos dizer que é extremamente difícil demonstrar uma relação de causalidade detalhada entre um movimento social específico e determinados resultados.

Os fenômenos políticos são multifatorias, ainda mais quando tratamos de grandes mobilizações. De qualquer modo, podemos afirmar que naquele momento, milhões de pessoas nas ruas estavam fazendo mais do que questionar aumento da tarifa dos ônibus  nas duas maiores metrópoles do país, autorizados pelas prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo. As pessoas nas ruas estavam questionando a representatividade política. Mas, precisamos fazer uma cartografia dos protestos. O impacto político no Rio de Janeiro foi maior. Os slogans diziam “Fora Dilma”, “Fora Cabral”, “Fora Paes” – a então presidenta, o governador do Rio de Janeiro e o prefeito da capital fluminense na época, respectivamente. Muitos setores estavam insatisfeitos com a cena política. Mas, as críticas a Dilma e Paes não eram tão contundentes contra as que se voltaram contra Sérgio Cabral.

Em, 2013 a situação era a seguinte:  o Rio de Janeiro era o epicentro dos grandes eventos, a final da Copa do Mundo de Futebol em 2014 já estava programada para o Estádio do Maracanã na cidade Maravilhosa, a qual já tinha vencido a disputa para sediar as Olimpíadas em 2016. Ora, parte da população passou a questionar as prioridades. As agendas políticas nacional e regional deveriam se concentrar em grandes eventos ou em demandas sociais urgentes tais como a mobilidade urbana?

O Movimento Passe Livre (MPL) tinha um debate encaminhando sobre custos de locomoção e tinha pautado que os tais  20 centavos de aumento nas passagens de ônibus de São Paulo eram exorbitantes. Numa analogia (reconheço controversa), suponhamos que uma família formada por uma mulher, seu esposo e duas filhas de 14 e 9 anos de idade passa pela seguinte situação, a filha mais velha vai completar 15 anos. Os adultos da família perderam seus empregos e o período do seguro desemprego acabou. Daí, vivem de economias  guardadas a muito custo e que podem manter a família por dois anos pagando todas as contas fixas e alguns passeios modestos. Mas, o acordo feito anteriormente era uma festa de 15 anos para a mais velha e uma mega-viagem em família para Dakar no Senegal pedida pela filha mais nova, os dois projetos foram assumidos como as metas. Porém, a família entra num dilema se fizerem a festa e viagem, na volta as prestações da casa própria, do carro, plano de saúde da família e mensalidades escolares não serão honradas.

Mal comparando, as Jornadas de Junho chegaram a conclusão de que: os grandes eventos não trariam retorno em investimento de infra-estrutura e deixariam dívidas e valia mais a pena realizar outras agendas que trouxessem mais benefícios para a população. Por isso, no dia 13 de Junho de 2013, no Rio de Janeiro, o slogan “não vai ter copa!” foi repetido em altíssimo som por uma massa que entendia que a festa era menos relevante do que outros cuidados básicos. Uma questão de fundo estava na ideia de que anseios fundamentais da população não eram atendidos pela classe política.

Não demoraram a aparecer cartazes com o dizer: “fora todos”. Neste momento, a classe política tinha que decidir: contemporizar, isto é, colocar “panos quentes”, ou, assumir personagens que fazendo política dizendo-se não-políticos. Parte da imprensa ajudou a ampliar a suspeita, a classe política era formada por homens brancos de meia idade, vestidos de terno, malvados e corruptos. Mas, foram outros homens brancos de terno que, dizendo-se não políticos, sagraram-se como alternativas. Essa foi a fotografia tirada. Homens brancos maus contra homens brancos bons. O fora todos não problematizou o privilégio masculino, branco, heterossexual, cisgênero, classe média e cristão. Por que será? 

 Nos anos de 2014, 2016 e 2018: o slogan, “eu não sou político" elegeu muita gente. Ora, se a política é a arte de representar. Como supor uma política sem representação? Impossível. Política é representação.

NA DEMOCRACIA, FAZER POLÍTICA É UMA NEGOCIAÇÃO ENTRE TODOS OS GRUPOS, ASSUMINDO OS CONFLITOS ABERTAMENTE E CAMINHANDO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES QUE POSSAM ATENDER A MAIORIA NUM CÁLCULO COMPLEXO.

Na democracia todos precisam tomar a palavra. “Fora todos” é um equívoco, nós precisamos de todos no debate: “puros” e “impuros” precisam fazer o debate político de modo qualificado, não podemos ter apenas homens brancos no congresso. O que inclui uma profunda discussão sobre representatividade. Por que numa sociedade, onde as mulheres são maioria e a população negra (preta e parda) representa mais da metade do povo brasileiro, os postos de poder continuam ocupados por homens brancos? Isso não faz diferença? 

Renato Noguera

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