Coletivo Indra

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Respostas simples

Boulevard de Montmartre a noite, Pissarro, 1.897.

Alguns eventos me fizeram refletir sobre a nossa situação nesse mundo; quando a gente já tem certeza de certa coisa, mas algo nos mostra que estávamos errados. Errados não, mas ou aprofundamos nossa visão ou nos damos conta de um contexto maior que nos conduz a uma nova percepção dessa realidade, numa espécie de aprendizado.

O que me surpreende, é que nesse momento percebemos que tudo sempre esteve lá. Antes que pareça que fiz uma promessa falsa, não vou tratar de tais eventos aqui, eles são extremamente irrelevantes para quem não os viveu e demandariam de mim explicações exaustivas. Em minha defesa, digo que minha visão sobre esses momentos é mais importante do que eles em si, e, portanto, vocês não perderão nada. 

Por vezes nos sentimos aprisionados em nossa esfera individual, como se devêssemos dar conta de tudo, ou reproduzir aquilo que nossa família e nosso entorno nos impõem: é o primo que passou no concurso público, o fulano que comprou um carro, ou o emprego ideal que nunca chega. E com isso, nossa angústia cresce.

Não nos damos conta do cenário que nos cerca, para além de nossa esfera privada. Miils, em sua “Imaginação sociológica” de 1959 chama atenção para isso (aliás, essa ideia toda é dele), e nos convida a olhar o contexto maior, a perceber as semelhanças e disparidades daquilo que está ao nosso redor, para nos darmos conta daquilo que efetivamente é nossa responsabilidade – ou uma perplexidade individual – ou aquilo que é assunto público. Até que ponto a depressão ou o desemprego são assuntos apenas individuais, por exemplo.

E, nesse contexto, o que é viver? Será que existe um viver para além de reproduzir essa existência da forma como fomos preparados desde que surgimos – estudando, arrumando emprego, constituindo família, tirando férias – ou existe algo além disso? Será que existe algo para aquilo que devemos nos devotar, ou no fim, estamos todos na sala de jantar, preocupados em nascer e morrer (em tom de música). 

Essas perguntas podem parecer por demais abrangentes, ou darem a sensação de que são sem respostas, de modo que você já as recebe dizendo “para isso não há resposta”. Mas será que é a resposta que não existe, ou nossa incapacidade de a encontrar – ou ao menos de procurar sinceramente – faz com que joguemos isso para debaixo do tapete? E não pretendo aqui resolver todos os problemas da existência humana (ainda que confesse que seria bom se pudesse), mas tenho percebido que ignorar certas questões talvez não seja a melhor saída.

Talvez a vida tenha realmente um sentido, e provavelmente por ele ser demasiado simples, preferimos ignorar e colocar isso como uma questão definitiva, que dê a isso uma importância ou uma gravidade irreais (me desculpe se pareço megalomaníaco, mas recebi tantas respostas com minha última participação aqui, que me motivo a propor questões maiores). 

Sabe o Abujamra, perguntando “O que é a vida?” para os seus convidados? É isso aí. Talvez ele não quisesse mesmo uma frase de efeito, ou apenas uma resposta que tirasse algo íntimo – e humano – do convidado, mas quisesse uma resposta definitiva, queria entender o que raios é a vida de verdade. Parece que ele esperou que alguém de fato respondesse. E sem metáforas, rodeios ou filosofias de aeroporto. Alguém que mandasse a real. A gente vive, como não sabemos o que é? Porque tem perguntas irrespondíveis? Volto no nosso medo de nos darmos conta de que talvez a resposta seja mais simples do que quiséssemos que fosse. 

Outro dia, o monge Hernan Ichigyo – colega de Ordem do nosso colunista Jean Tetsuji – disse que existe uma diferença entre sentido e propósito da vida.

SENTIDO É A DIREÇÃO QUE A GENTE DÁ A VIDA; PROPÓSITO É PENSAR NO PORQUE DELA.

Assim, o propósito não é realmente importante (porque eu existo?) mas o interessante mesmo é se preocupar com o sentido, pois esse é o que eu faço com a vida que eu tenho. Sentido numa ideia de direção mesmo. Em duas linhas – e a cola de um sensei – tá aí o sentido da vida. Não foi simples? E agora? Será que a gente não perde muito tempo com a questão fácil e esquece as mais difíceis? Ou será que a gente não perde muito tempo formulando a questão de maneira errada? 

Qual é o meu sentido? Meu sentido é fazer o bem – de verdade, e não como discurso de candidato a algo – é fazer piada na mesa do bar, é saber que eu não fui um escroto e que não prejudiquei ninguém, é continuar estudando e trabalhando, é chorar com os amigos, é lutar pela democracia. Respostas simples.

Eu preciso mais que isso? Para isso, eu preciso criar algumas condições. Se meu propósito é ser dono de multinacional, ou multimilionário, e não há nada de errado nisso enquanto vivemos numa sociedade baseada no capital, tenho que criar outras condições. Simples. Qual é o seu sentido de fato? Será que uma vida confortável é suficiente? Respostas simples. 

Mas e aquele que não tem condições de estudar, que tem que sustentar a própria família antes mesmo de chegar à adolescência. Será que a vida dele também pode ter um sentido? Será que ele tem condições de pensar nisso? O que a gente faz por ele? Será que esse texto é simples pra ele também? Gostaria que fosse. 

Tem pais que fazem do sentido da vida a criação dos filhos. Isso me lembra que o sentido da vida não precisa ser único, e pode mudar de acordo como as coisas acontecem. Assim, o que se perde não é a razão do seu viver, mas aquilo que era sua direção, seu sentido. É hora de buscar outro.

Viu, a confusão de propósito e sentido te coloca num problemão; o primeiro parece estático, o segundo te permite mudança. A gente precisa de uma certa urgência, que nos coloque em movimento (essa eu também peguei do Hernan). E aí, lembrando do Mills, a gente tem que lembrar o que a gente pode resolver, e o que depende de um contexto maior. A democracia é um sentido pra mim, mas defende-la, não significa que eu vou conseguir, sozinho, que ela se aprimore e, ultimamente, que apenas esteja assegurada. Mas me dá um norte do que eu devo fazer. 

Olhando assim, as coisas até parecem mais fáceis. Qual é o seu sentido? Repostas simples. 

Arthur Spada

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