Coletivo Indra

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Rito de Passá

Estou a alguns passos de pular do precipício abissal a 30 mil pés (no chão) e 30 mil devaneios (no céu). As crises são velhas conhecidas do mundo e assíduas companhias do meu. O prelúdio que conduz essas palavras chegou faz algum tempo. De início achei precoce, depois vi como preparo e agora entendo como um exercício existencial que quanto mais cedo é feito menos doloroso é. Os caminhos se abrem conforme adentramos a trilha incerta da nossa mata fechada. Três décadas de quê? É o eco da cobrança do acúmulo palpável numa redoma de expectativa que começa fora e nos inquieta por dentro. Olhar pra trás sereno por cada sensação vivida sem a necessidade da posse material é um processo de reconexão com o que realmente nos alimenta e dá sentido para o que a olho nu às vezes parece não ter.              

um)

A MORTE

É o único rito inevitável da vida. Sem um não há o outro. Relutamos em entendê-la por uma lente menos física e mais transcendente. Se a morte se faz repentina a julgamos como absurda, sem sentido, covarde. Se ela nos encontra como o desfecho de uma metamorfose contínua gravamos na memória a imagem da dor, do sofrimento, de um padecer cruel. Nunca saberemos o que a justifica e, principalmente, se o que vem depois dela é desfecho ou recomeço. Morrer é uma abstração sorrateira que não se concretiza apenas no último ato. Morrer vivendo é comum. É uma morte-vida tão banalizada que passa invisível aos olhos dispersos de uma existência que se define (mas no fundo definha) no apego a matéria viva - que um dia apodrece - e na matéria capital - que fica e se apega a outrem.        

dois)

O PERDÃO

É o acrônico clichê da dramaturgia. Nas tragédias gregas, no teatro contemporâneo, na última cena do filme, no último capítulo da novela. Último pedido, último suspiro, uma chave-mór. Perdoar é o verbo mais difícil de ser conjugado. Sua ação parte do “eu” para desprender um nó que se reconhece junto ao outro. O outro lado da moeda, o outro lado da história, uma delação compartilhada. Em algum passo da vida estaremos nessa cena, seja no papel de quem se permite perdoar ou de quem se permite ser perdoado. Afinal, o perdão não se faz em primeira pessoa. A alvenaria é construída com o tempo e a maturidade que ele traz consigo nos permite compreender que perdoar é libertar as ervas daninhas do cárcere no nosso jardim secreto que conserva rancores das mais diferentes espécies.         

três)

A PARTIDA

A parte que fica, a parte que falta, a parte que sobra. Em alguns momentos vamos partir, em outros seremos partidos. O tráfego não cessa, é imprevisível. Basta um breve período no cômodo assento do controle para sermos surpreendidos. Os nós se desatam numa destreza cirúrgica. Sem nós o que será de nós? Já escutei por aí que a dor de quem fica é sempre maior. Mas se desprender é doloroso também. São dores distintas mais que partem do mesmo lugar. Medi-dor pela régua do maior > e menor < é reduzir o sentimento a uma exatidão vedada que represa as águas únicas de cada rio. O movimento é necessário ainda que ele caminhe na contracorrente das águas que um dia banharam você.     

Os caminhos precisam ser abertos. 

 Felipe Ferreira

Instagram @ostrafelipe

Sugestão: escutar a música “Rito de Passá” da Mc Tha, que inspirou e deu nome a este texto. 

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